A edição 2016 do Festival de Cinema da Bienal Internacional de Curitiba (FICBIC), que se inicia hoje, reúne, na mostra Panorama Brasileiro, seis longas-metragens que representam não apenas a diversidade estilística, mas também temática da produção nacional contemporânea. A curadoria buscou selecionar obras autorais de cineastas de várias gerações – de veteranos, como Ruy Guerra, Domingos de Oliveira e Júlio Bressane, a jovens realizadores, como Eryk Rocha, Guilherme Weber e Thiago B. Mendonça.
Um traço comum, que norteia todo trabalho de curadoria, interliga os filmes: as convergências. Em todos os longas, há intenso diálogo, tanto no âmbito estético quanto temático, com o próprio fazer cinematográfico e com outras vertentes artísticas, como o teatro, a literatura e as artes visuais.
Vencedor em 2016 do Festival de Cinema de Gramado, dos prêmios de melhor filme, direção e trilha sonora, Barata Ribeiro, 716, é o 18º longa-metragem de Domingos de Oliveira, às vésperas de completar 60 anos de uma carreira que inclui o clássico Todas as Mulheres do Mundo (1966). Seu mais recente trabalho é uma obra autobiográfica, protagonizada por Felipe (Caio Blat), aspirante a escritor e espécie de alter ego do próprio cineasta, que transforma em ficção episódios de sua juventude no Rio de Janeiro da década de 1960, até o Golpe Militar de 64. O longa retrata a efervescente cena cultural da época, tempos de Bossa Nova e Cinema Novo.
Contemporâneo de Oliveira, e um dos autores mais inquietos e provocadores do cinema brasileiro, Júlio Bressane traz ao FICBIC seu mais recente longa-metragem, Beduíno, selecionado para as mostras competitivas dos festivais de Locarno (Suíça) e Brasília. O filme de Bressane, diretor de Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), marco da produção underground brasileira, é estrelado por Alessandra Negrini e Fernando Eiras, que interpretam um casal de dramaturgos imersos em um cenário de luzes e sombras. É forte em Beduíno o diálogo intertextual com o teatro, em decorrência da ocupação dos personagens centrais, que, no filme, representam conexões entre a vida real e a encenada, que seria a própria arte. Bressane, que não apenas dirigiu e escreveu, mas também produziu seu longa-metragem, diz ter buscado trabalhar de forma colaborativa com toda a sua equipe, que, segundo ele, compartilha a assinatura da obra.
O terceiro veterano presente no Panorama Brasileiro é o moçambicano Ruy Guerra, um dos nomes mais importantes do Cinema Novo e diretor de clássicos como Os Cafajestes (1962) e Os Fuzis (1974). Será exibido no FICBIC seu mais recente longa-metragem, Quase Memória, vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival do Rio, em 2015, e Menção Especial do Júri dos Críticos Russos e Menção Especial da Federação dos Cineclubes Russos no 38.º Festival Internacional de Cinema de Moscou.
Baseado no romance homônimo do escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, Quase Memória, assim como Barata Ribeiro, 716, está entre a ficção e a realidade, já que o jornalista Carlos, um dos personagens centrais, vivido por Charles Fricks e Tony Ramos, em diferentes fases da vida, também é uma versão algo ficcionalizada de Cony de sua história de vida. Na trama, uma adaptação livre do romance vencedor do prêmio Jabuti, Carlos tenta ajustar contas com o pai, Ernesto (João Miguel), jornalista como ele e um homem de personalidade exuberante e bastante complexa. A aproximação com a literatura é incontornável nesse trabalho de Guerra, que fez três filmes baseados na obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Erêndira (1983), Fábula da Bela Palomera (1988) e O Veneno da Madrugada (2004).
Guerra é um dos principais entrevistados de outro destaque do FICBIC, Cinema Novo, filme de Eryk Rocha premiado com o troféu Olho de Ouro, concedido ao melhor documentário no Festival de Cannes (2016). O longa é um ensaio poético sobre o mais importante movimento cinematográfico brasileiro, e inclui trechos de filmes da época. Também costura depoimentos de seus principais expoentes, como Nelson Pereira do Santos, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr., Paulo César Saraceni e Glauber Rocha, pai do realizador.
Também representante da nova geração, o curitibano Guilherme Weber, ator e diretor teatral, faz sua estreia como cineasta em Deserto, selecionado para a mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Inspirado no romance Santa Maria do Circo, do escritor mexicano contemporâneo David Toscana, o longa-metragem parte da tradição do teatro saltimbanco para narrar a história de um grupo de artistas que viaja apresentando um espetáculo mambembe por todo o sertão nordestino. Cansados da vida de nômades, eles acabam decidindo se instalar em uma pequena cidade abandonada no interior da Paraíba, e ali fundar uma sociedade. O longa traz à frente do elenco o grande Lima Duarte.
Também representante da nova geração, o curitibano Guilherme Weber, ator e diretor teatral, faz sua estreia como cineasta em Deserto, selecionado para a mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
O longa de Weber se comunica, em sua temática relacionada ao universo do teatro itinerante, com Jovens Infelizes ou um Homem Que Grita Não é um Urso, de Thiago B. Mendonça. Vencedor do prêmio de melhor filme pelo júri da crítica na Mostra de Cinema de Tiradentes, a produção resgata a tradição do cinema marginal, underground, descendente de Júlio Bressane, para contar a história de um grupo de artistas que compartilha uma pequena casa, além de más condições financeiras, em São Paulo. Na busca de fazer uma arte verdadeiramente revolucionária, capaz de enfrentar a ditadura militar nos anos 60, eles veem suas tentativas serem sucessivamente frustradas até decidirem partir para medidas extremas.
Curtas
O cineasta mineiro Felipe Saleme recebeu, na edição 2016 do Festival de Gramado, o Kikito de melhor direção por seu trabalho no curta-metragem Aqueles Cinco Segundos. O filme conta a história de um casal de amantes que, após dois anos de encontros intensos e furtivos, descobrem nunca terem se beijado. Estrelam Gabriel Godoy e Luciana Paes, vencedora do prêmio de melhor atriz no festival gaúcho.
Lúcida, de Fábio Rodrigo e Carolina Oliveira, recebeu, também na edição deste ano do Festival de Cinema de Gramado, o prêmio de melhor curta-metragem da mostra competitiva. O filme é um híbrido de ficção e documentário, no qual personagens da vida real vivem situações roteirizadas, porém inspiradas em suas histórias. O filme tem como tema o abandono das mulheres pelos pais de seus filhos, e as crianças da periferia que crescem sem a presença de uma figura paterna.
Escolhido pelo Júri da Crítica como melhor curta na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes (MG), Noite Escura de São Nunca, do carioca Samuel Lobo, o filme, de caráter experimental, aborda a presença traumática da violência perpetrada por forças militares no cotidiano de duas mulheres. Uma delas teve a irmã desaparecida durante a ditadura militar e a outra foi presa pela polícia militar nas manifestações de junho de 2013.
Vencedor do Prêmio do Júri Popular no festival mineiro, Madrepérola, filme gaúcho de Deise Hauenstein, com humor e inventividade, aborda o processo através do qual as pérolas se formam, discutindo como a beleza pode surgir da anomalia, traçando um paralelo com a existência humana. Também em Tiradentes, Eclipse Solar, do capixaba Rodrigo de Oliveira, venceu o Prêmio Aquisição Canal Brasil, e tem, no centro da narrativa, três trabalhadores que se reúnem em torno da preparação de uma festa em um museu. Esse encontro revelará ter implicações bastante complexas com o passado.
O documentário sobre o multiartista Hélio Leites, O Significador de Insignificâncias, que une artes plásticas, poesia e performance para criar ações minimalistas de intervenção urbana, é um curta de Fernando Severo e Diego Lopes. Hélio recicla materiais destinados ao lixo e constrói com eles um universo próprio, repleto de novos significados. No curta, faz associações com seu cabelo e as Torres Gêmeas, o bigode de Salvador Dali e as cachoeiras de Foz do Iguaçu. Suas atividades híbridas se relacionam ao circo, aos botões que contam histórias, às caixinhas de fósforos que se transformam em carros alegóricos de Carnaval.
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