Baseado em uma ação o Instituto Aurora em Curitiba, entidade voltada à educação dos direitos humanos através da arte, o curta-metragem Eu vejo flores (2018), produzido pela Julieta Audiovisual, retrata de maneira bastante potente a situação de mulheres no sistema prisional do Paraná. Através de relatos e depoimentos, tanto de mulheres que vivenciaram a situação precária das unidades penitenciárias, quanto de especialistas sobre o tema, o mini-doc lança um novo olhar sobre esse nicho excluído da sociedade, cujos os debates ainda são muito ínfimos.
Com um conceito baseado no trabalho das irmãs Annie e Katrin Libert, no qual muitos desses “corpos aprisionados” permanecem condicionados a situações precárias e desumanas e necessitam de uma nova voz para libertá-los, o filme gira em torno de situações vivenciadas tanto ao longo do trabalho da organização quanto da própria vivência dessas mulheres. A verdadeira potência do curta é como ele permite dar voz a esses corpos abjetos: por meio da arte.
Muito além de oferecer apenas uma câmera em frente às entrevistadas, existe um trabalho muito mais complexo e genuíno na forma como o documentário foi elaborado — antes, a essas mulheres é oferecido um apoio e uma chance de reencontrar-se, pela promoção da autoestima e do diálogo. Assim, há uma verdadeira conexão entre quem produzia o filme e as personagens, deixando de lado o lugar-comum da situação desses corpos e tomando forma a expressão de sororidade e companheirismo entre elas.
Eu vejo flores retrata uma nova visão sobre mulheres privadas de liberdade, longe da estigmatização discriminatória do crime.
Os relatos de Elizandra Coelho, mulher que participou das ações do Instituto, destacam-se como o fio condutor da narrativa. Ao contar casos que viveu antes, durante e depois do cárcere — como, por exemplo, quando recebeu seu alvará de saída da penitenciária e não tinha nem ao menos dinheiro para pagar um ônibus para casa —, existe um novo olhar sobre esse grupo, não marcado pela estigmatização em torno do crime, mas da vulnerabilidade social que a cárcere, tanto por ser mulher, quanto por ser presidiária, recebem nessa vivência.
Outro dado relevante é sobre a quantidade de mulheres negras detentas. De acordo com dados do Infopen deste ano, o Brasil é o 4º país que mais prende mulheres no mundo — 62% desse número são mulheres negras. As estatísticas, além de alarmantes, demonstram que há um longo caminho em torno da temática, que envolve não apenas a questão do gênero, mas também um recorte racial e de classe muito mais intrínseco na sociedade brasileira, como bem explica a pesquisadora e professora de direito penal Priscilla Placha Sá.
Ao resgatar esse novo olhar no sistema presidiário feminino, especialmente no Paraná, Eu vejo flores é um documentário que precisa ser assistido para que haja maior análise com relação à temática.
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