O cineasta cearense Karim Aïnouz, que lança hoje, em circuito nacional, seu arrebatador melodrama tropical A Vida Invisível, já investigou antes o universo feminino em dois de seus longas-metragens, O Céu de Suely (2006) e O Abismo Prateado (2013), que hoje revisito neste texto. A trama do filme se desenrola ao longo de um único dia, um daqueles em que a vida parece chegar à beira de um precipício. Toma como inspiração “Olhos nos Olhos”, clássico de Chico Buarque sobre o abrupto e irreversível desfecho de uma relação de anos.
Violeta (Alessandra Negrini, em sua melhor atuação no cinema) é uma dentista chegando aos 40 anos, moradora da Zona Sul do Rio de Janeiro, casada e com um filho adolescente. Tudo parece ir bem, sem maiores sobressaltos, até receber um recado na secretária eletrônica que lhe rouba o chão. É o marido (Otto Jr.). Ele diz, na lata, sem dó nem piedade, que o amor acabou e ele está de partida para Porto Alegre, e para ela “ser feliz e passar bem”.
O Abismo Prateado investiga o que se passa na cabeça de alguém que vê, em uma questão de horas, sua vida afetiva desabar sem aviso prévio.
Aïnouz, que explora um tema recorrente em sua filmografia, o abandono emocional, brinca com as expectativas de quem vê o filme sem saber o que virá pela frente: o fora vem pouco depois de uma ardente cena de sexo entre o casal. E tem o impacto de uma colisão frontal com um caminhão.
O Abismo Prateado investiga o que se passa na cabeça de alguém que vê, em uma questão de horas, sua vida afetiva desabar sem aviso prévio. Acompanha seu desespero, a busca por respostas, a tentativa de escapar da dor mergulhando de cabeça em uma longa jornada dia adentro, com direito até a dançar sozinha em uma pista qualquer, onde se refugia para não ouvir sua dor. Até terminar em um aeroporto, a um passo de pegar um voo para Porto Alegre.
Se o filme parece menos redondo, mais irregular do que outros longas de Aïnouz, como Madame Satã e o próprio A Vida Invisível, talvez porque seu roteiro seja mais fluido, construído em torno de sentimentos e sensações da protagonista, sem um rumo aparente, o longa tem a seu favor o raro trunfo de acompanhar o espectador por horas, depois de finda a exibição. Quem, afinal, nunca sofreu de amor? Aïnouz tem esse poder de impacto com a sua obra. Redescubra O Abismo Prateado.
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