O assassinato de Angela Diniz, em 30 de dezembro de 1976, foi um crime que chocou o Brasil e se tornou um marco na história da justiça criminal do país. Figura recorrente e esfuziante nas colunas sociais da época, ela, uma mulher deslumbrante, descrita por muitos como magnética e carismática, morreu pelas mãos do playboy paulistano Raul do Amaral Street, o Doca, empresário conhecido por sua personalidade possessiva e por sua paixão pela caça de elefantes em safáris africanos.
O relacionamento entre Angela e Doca, que durou apenas quatro meses, era turbulento, marcado por brigas constantes e reconciliações. O casal estava morando na Praia dos Ossos, em Búzios, litoral do Rio de Janeiro, quando Doca a assassinou com três tiros no rosto e um na nuca, depois de ela mandá-lo embora e pedir a separação. O caso ganhou uma enorme atenção da mídia e da opinião pública, tornando-se um símbolo dos debates sobre violência contra as mulheres e o abuso de poder na sociedade brasileira.
O longa-metragem Angela, sob a direção de Hugo Prata, de Elis, que chega nesta semana aos cinemas brasileiros, evita o rótulo de cinebiografia, gênero ao qual pertence seu filme anterior . O longa-metragem, por opção do cineasta e da roteirista Duda de Oliveira, não se desenrola em um ambiente de tribunal, nem conta a vida de sua protagonista da infância à morte. A narrativa, mais um estudo de personagens, tem um recorte específico e se estende pelos intensos meses de relacionamento entre a “Pantera de Minas”, como Ângela era chamada pela mídia, e Doca.
A jornada começa em agosto de 1976, quando a socialite mineira de 32 anos, vivida no filme com por Ísis Valverde, após uma separação litigiosa do marido, namorava o folclórico colunista social Ibrahim Sued, interpretado por Gustavo Machado. O casal é convidado para uma suntuosa festa na mansão da ricaça paulistana Adelita Scarpa (Carolina Manica), então mulher de Doca Street (Gabriel Braga Nunes, muito convincente). A festa, repleta de glamour, é o ponto de partida para o surgimento de uma atração fatal entre Street e Angela, que se destaca como a estrela da noite, despertando olhares de desejo de muitos, especialmente do anfitrião.
Ao longo dos 110 minutos de projeção, Angela pretende imergir o público na vida do casal Angela e Doca Street, em cenas repletas de sexo, paixão e, por fim, violência.
A partir desse momento, os quatro amigos passam a compartilhar mais tempo juntos, incluindo passeios à fazenda de Adelita. A atração entre Angela e Doca cresce rapidamente, os levando a tomar a decisão de deixar para trás seus parceiros e embarcar em um apaixonado, porém, ao mesmo tempo, tumultuado romance em Búzios, onde a “Pantera” adquire uma casa à beira-mar.
Hugo Prata explicou, em sessão de pré-estreia em Curitiba, realizada no último sábado no Cine Passeio, sua escolha de focar nesses quatro meses de relacionamento entre Angela e Doca, evitando contar a história do ponto de vista do assassino, ou de seu advogado à época, o lendário jurista Evandro Lins e Silva. O diretor disse querer fugir da versão promíscua e vida louca da mineira que Doca, sua defesa e boa parte dos meios de comunicação à época difundiram, tentando desqualificá-la para justificar a vergonhosa tese de legítima de defesa da honra.
Ao longo dos 110 minutos de projeção, Angela pretende imergir o público na vida do casal Angela e Doca Street, em cenas repletas de sexo, paixão e, por fim, violência. O filme também mostra o casal interagindo com amigos fictícios que representam várias de suas amizades, interpretados por Bianca Bin, uma mulher sexualmente reprimida, e Emílio Orciollo Neto, um homem da alta sociedade paulistana, machista e algo fanfarrão. Outra personagem importante na trama é a da empregada do casal em Búzios, vivida por Alice Carvalho, grande revelação da série Cangaço Novo.
‘Angela’: ficção baseada em fatos reais
Não seria equivocado, portanto, afirmar que Angela é uma obra de ficção histórica, baseada em fatos reais, mas sem a pretensão de ser completamente fiel a eles. Prata afirma que muitos dos acontecimentos retratados ocorreram, mas outros foram criados porque há muito pouca documentação sobre o período retratado. O filme também traz momentos de Angela ao telefone, conversando com a mãe, interpretada por Chris Couto, e uma breve visita a Belo Horizonte para se encontrar com seus três filhos, que estão sob a guarda do pai.
Angela, que chega a 200 salas de cinema, é um esforço louvável, ainda que irregular, de Prata e de Duda Oliveira, de fugir dos lugares comuns acumulados ao longo de quase cinco décadas em torno do assassinato e, especialmente, da mineira. Pode se dizer que se trata de uma visão feminista do caso, assim como o podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo. Isis Valverde traz à personagem nuances que tiram a personagem da dimensão unidimensional, sedimentada no imaginário brasileiro ao longo dos anos.
Além da mulher bonita e intensa, a Angela do filme é retratada como uma mãe amorosa, em sofrimento pela distância dos filhos, ousada em sua busca por liberdade em vários sentidos, mas também muito vulnerável e carente, ao ponto de se submeter a um relacionamento abusivo com Doca, que a vê como um troféu, assim como os elefantes que caçava na África. Algo maior que ele desejava subjugar, submeter, como ele mesmo diz no filme.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.