Em Anora, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2024, o cineasta norte-americano Sean Baker realiza um trabalho fascinante ao explorar os extremos da experiência humana, transitando entre momentos de humor caótico e uma narrativa humana, devastadora. O filme é, ao mesmo tempo, hilário e dilacerante. Isso não é pouco.
Como no ótimo Tangerine (2015) – ou, mais amplamente, em toda a sua filmografia -, Baker utiliza seu olhar aguçado para desvendar os recantos menos visíveis, e frequentemente marginalizados, da sociedade americana, focando em personagens periféricos. Aqui, seu olhar recai sobre uma jovem stripper e prostituta de 23 anos que vive em Brighton Beach, Nova York. Ela se chama Anora – ou Ani, como prefere ser chamada. Interpretada por Mikey Madison, que ganhou notoriedade através da série Better Things, Ani ganha vida de forma tão vibrante que o êxito do filme pode ser atribuído tanto à força de sua atuação quanto à habilidade narrativa de Baker.
A introdução de Ani no filme é feita com sutileza e impacto: uma sequência de danças sensuais no clube de strip em Manhattan, onde ela trabalha. Nesse espaço, ela é a favorita dos clientes e respeitada pelas colegas – à exceção de Diamond, uma rival ardilosa. A rotina é interrompida quando seu chefe a instrui a atender um cliente que procura uma garota que fale russo. É nesse contexto que Ani conhece Ivan, ou Vanya (Mark Eydelshteyn), um jovem russo de 21 anos, tão imaturo quanto carismático. Após uma dança, Vanya, deslumbrado, exclama: “Deus abençoe a América!” e a convida para ir à sua casa. Há uma conexão palpável entre os dois, e Ani, intrigada, decide compartilhar seu número com ele.
Essa riqueza na construção da personagem é amplificada pela performance brilhante de Mikey Madison, que entrega uma atuação tão cativante que solidifica seu status como uma estrela em ascensão.
A primeira visita de Ani à casa de Vanya se revela uma experiência surpreendente. Esperando algo modesto, ela é confrontada por uma mansão imponente, cercada por portões, em um condomínio de luxo. A opulência é avassaladora, mas o jovem russo se apresenta como alguém gentil e afável, embora com traços de imaturidade evidentes, especialmente em sua obsessão por videogames e sua pouco habilidade sexual. O que se segue é uma intensa investida de afeto por parte de Vanya – repleta de presentes caros e gestos extravagantes. Ele a convida para sua festa de ano novo e, no dia seguinte, oferece a quantia impressionante de US$ 15 mil para que ela se torne sua namorada. Assim começa um romance tão vertiginoso e sedutor que é impossível não se envolver.
Movidos por um misto de paixão impulsiva e ostentação financeira, o casal embarca em uma jornada alucinante. De jatos particulares a Las Vegas, os dois vivem momentos de euforia que culminam em um casamento improvisado. No entanto, essa aparente história de Cinderela, à la Uma Linda Mulher, logo desmorona.
A pressão exercida pelos pais ricos de Vanya expõe suas fragilidades, e sua fachada de marido perfeito se rompe. Ele se revela um jovem mimado e egoísta, incapaz de tratar Ani, ou qualquer outra pessoa, com o devido respeito. O filme se torna uma crítica incisiva às gerações de herdeiros ricos que destroem vidas ao seu redor, protegidos pelas fortunas de suas famílias.
‘Anora’: complexidade e empatia
Apesar da dureza da narrativa, Baker consegue equilibrar as nuances da história sem cair em simplificações ou julgamentos fáceis. Ani é retratada com profundidade, complexidade e empatia, mesmo em seus momentos mais vulneráveis ou questionáveis. Essa riqueza na construção da personagem é amplificada pela performance brilhante de Mikey Madison, que tem uma atuação tão cativante que consolida seu status como uma estrela em ascensão.
Anora não é apenas um filme; é uma experiência que provoca risos, lágrimas e reflexões profundas sobre as desigualdades, os privilégios e as relações humanas em suas formas mais cruas e verdadeiras.
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