Cinebiografias são quase sempre uma armadilha. Muito raramente dão conta da complexidade dos personagens que pretendem retratar. Ficam na superfície dos fatos, de acontecimentos marcantes, que não podem ser deixados de lado, e acabam perdendo de vista a dimensão mais humana, e originária, de seus protagonistas. Antonia. (assim mesmo com um ponto) não escapa a essa regra, embora tenha o mérito de tentar estabelecer um diálogo entre cinema e poesia.
O longa-metragem do diretor italiano Ferdinando Cito Filomarino, que estreia hoje na Mostra Competitiva do 5º Olhar de Cinema, é ambicioso: busca desvendar a enigmática personalidade da poeta Antonia Pozzi, que morreu em 1938 com apenas 26 anos e só teve sua obra reconhecida postumamente.
Em sua breve, e atormentada existência, Antonia, interpretada de forma bastante naturalista pela novata Linda Caridi, buscou encontrar seu lugar no mundo, sempre em estado de desconforto existencial, tanto em seus relacionamentos amorosos quanto em seu convívio social. Desse desajuste, defendo o filme, viria a força de sua poesia, considerada simplória, desprovida de uma dicção, enquanto a autora era viva.
Com o passar dos anos, o despojamento e a intensa pessoalidade dos versos de Antonia vieram à tona, à medida em que ela, pouco a pouco, também se transformou objeto de culto, lida como uma voz feminina potente, à frente do seu tempo.
Filomarino filma com elegância, talvez até demais para alguns: alguns críticos chegaram a dizer que os muitos suéteres da personagens, fornecidos à produção pela grife italiana Fendi, são mais expressivos do que o desempenho da protagonista.
Filomarino filma com elegância, talvez até demais para alguns: alguns críticos chegaram a dizer que os muitos suéteres da personagens, fornecidos à produção pela grife italiana Fendi, são mais expressivos do que o desempenho da protagonista. Maldade! Fazendo lembrar um jovem James Ivory (diretor britânico veterano de O Retorno de Howard’s End), que por sua vez sempre foi um fã confesso do mestre Luchino Visconti (de O Leopardo), o jovem diretor prima pela plasticidade, pelo requinte na reconstituição histórica, o que, sim, diz algo sobre o cinema que pretende realizar.
Antonia era filha de um importante advogado milanês, teve uma primorosa educação, cercada de luxo e privilégios. De certa forma, era refém da ordem social em que nasceu e cresceu, e a poesia foi o meio que desenvolveu para expressar sua inquietude diante de uma realidade regulada por aparência e rígidos códigos de conduta e etiqueta. A opção pelo detalhismo no excesso de plasticidade no filme de Filomarino parece não apenas justificável, mas um elemento dramático em si, e não um maneirismo.
Um certo artificialismo performático que permeia o longa parecer ser inerente ao universo no qual Antonia Pozzi está imersa, e da qual parece ser uma prisioneira de luxo. Pena que, ainda que a vida da peta tenha sido curta, o filme não dê totalmente conta de sua complexidade, nos proporcionando uma visão mais panorâmica do que verticalizada da personagem. Mas não é um filme desprovido de qualidades.
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