O longa Babenco – Alguém Precisa Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2019) não é (apenas) um documentário informativo, tampouco biográfico. O filme é assinado pela atriz Bárbara Paz, última mulher do cineasta argentino naturalizado brasileiro, diretor de clássicos como Pixote – A Lei do Mais Fraco (1980) e O Beijo da Mulher Aranha (1985). Tem, portanto, um ponto de vista muito pessoal – e afetivo. E isso faz toda a diferença.
Bárbara fala de um homem que amava, e de um criador muito complexo que muito admirava. Ambos estavam morrendo ao seu lado, dependendo de seu cuidado, atenção e afeto. Como a atriz não era (ainda) uma diretora, e pouco ou nada sabia sobre a linguagem cinematográfica, Babenco a instruiu, como o próprio documentário revela, em questões básicas, como enquadramentos e foco. De certa forma, ele a dirigiu o dirigindo.
Bárbara fala de um homem que amava, e de um criador muito complexo que muito admirava.
O realizador, conhecido por sua personalidade forte, insiste em instrui-la, como se quisesse se perpetuar na eternidade por meio de sua amada e musa. É um dos momentos mais preciosos do documentário, em que vemos Babenco ao mesmo tempo vulnerável e muito potente em sua humanidade despida.
Se, por um lado, Babenco – Alguém Precisa Ouvir o Coração e Dizer: Parou, premiado no último Festival de Veneza, é um retrato íntimo tanto do seu personagem-título, e de sua relação com Bárbara em seus momentos finais, o filme também fala e muito, ainda que de forma nada didática, de trajetória e da obra de Babenco. Graças a um incrível trabalho de edição, assinado por Marília Moraes, trechos da obra do cineasta dialogam organicamente com seu presente e passado, se ressignificando, em um trabalho por vezes dialético, na tradição soviética, e por outros de uma poesia arrebatadora. Muito da alma do longa está nessa costura, muito original, porque não há uma linearidade biográfica, e isso se dá, também por conta do ótimo roteiro coassinado por Maria Camargo e Bárbara.
Nessa narrativa, o câncer, com o qual Babenco se digladiou intermitentemente por décadas, é elemento central. Tanto que foi incluída no documentário uma cena de Ironweed (1987), drama realizado pelo cineasta nos Estados Unidos, em que o ator/cantor Tom Waits vive um sem teto que diz: “O médico diz que eu tenho câncer. Primeira coisa que tenho na vida”, uma fala tragicômica que, à época, fez a plateia rir nos cinemas. O documentário defende a ideia de que a doença, mais do que uma sentença de morte, fez com que a ânsia criativa de Hector se tornasse mais urgente. Ao ponto de ele fazer de seu derradeiro longa, Meu Amigo Hindu (2015), com Willem Dafoe e a própria Bárbara Paz, um relato autobiográfico transfigurado sobre esse padecimento.
Sim, a finitude está sempre à espreita em Babenco – Alguém Precisa Ouvir o Coração e Dizer: Parou. Não como possibilidade, mas certeza. Ironicamente, o documentário, que disputa pelo Brasil uma vaga entre os indicados ao Oscar de melhor filme internacional, não poderia ser uma obra mais poética e repleta de vida.
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