Beau Wasserman, protagonista de Beau Tem Medo, novo longa-metragem do cineasta Ari Aster (de Hereditário) é o arquétipo do sujeito pós-moderno, esfacelado, perdido em suas incertezas. O personagem, vivido por Joaquin Phoenix, tenta encontrar seu lugar no mundo, que insiste em atropelá-lo de todas as formas, até literalmente.
Judeu, como o próprio Aster, o que nos dá pistas sobre um certo viés autobiográfico do filme, ele recorre à psicanálise, em sua busca por respostas. Mas não consegue ser ouvido em sua subjetividade – o terapeuta tenta colocá-lo em uma caixa e, por fim, não o ouve. Resta-lhe, então, o caos.
No “mundo”, uma instância quase simbólica, aonde Beau é lançado, ele tropeça no absurdo: pessoas apontam seus celulares para o topo de um arranha-céu, do qual um homem está prestes a se jogar. Querem precipitar o espetáculo da tragédia, o estimulando ao suicídio. Qualquer semelhança com os dias que vivemos não é mera coincidência.
A essa altura, Aster, a despeito de toda inventividade do roteiro, traço recorrente na sua filmografia, parece ter perdido o controle da narrativa, que resulta mal-amarrada, em suas excessivas três horas.
Ao se deslocar para a região onde vive, com a qual está familiarizado, se depara com desordem e violência, como se a vida estivesse a esfregar na sua cara que, nem mesmo lá, em um território tão conhecido, está a salvo. O perigo mora ao lado, segundo a lei do mais forte que rege a sociedade norte-americana. Resta a ele fugir, mas não consegue e acaba sendo atropelado.
Reduzido à posição de paciente, tolhido de suas potências físicas, Beau vai parar em outra dimensão, aparentemente mais segura, acolhedora, sob cuidados médicos. Aos poucos, ele vai descobrindo que não é nada isso.
O personagem está agora em uma dimensão regida pela guerra, embora aparentemente pacífica. Os Estados Unidos invadiram a Venezuela para libertar o país sul-americano da ditadura socialista – ou será que para tomarem posse do petróleo?
Como personagem pós-moderno que é, desenraizado e esfacelado, Beau seguirá em frente, e vai parar em uma floresta, um mundo natural habitado por uma comunidade hippie, que o recebe e lhe apresenta uma montagem teatral cujo tema é ele mesmo, em uma espécie de jogada narrativa autorreflexiva.
A essa altura, Aster, a despeito de toda inventividade do roteiro, traço recorrente na sua filmografia, perde o controle da narrativa, que resulta mal-amarrada, chatíssima, em suas excessivas três horas. A jornada em encontro de sua pavorosa mãe (Patti LuPone) é torturante. Mesmo com alguns momentos brilhantes, repletos de sacadas, como quando mistura live-action e animação, Beau Tem Medo torna-se cansativo, assim como, em certa medida, Midsommar – O Mal Não Espera a Noite, filme anterior do diretor, no todo muito superior a este seu novo longa.
Em meio a essa constatação, é preciso louvar a estupenda atuação de Joaquin Phoenix, que se entrega a Beau de corpo e alma, a exemplo do que fez em Coringa. So que até mesmo ele se perde. Ao fim da projeção, é de sua atuação que nos lembramos e sobre a qual falaremos. Bem e mal. E isso é (mais) um problema para Beau Tem Medo.
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