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‘Bugonia’ é desconfortável, áspero, excessivo, mas relevante

No novo filme do grego Yorgos Lanthimos, 'Bugonia', paranoia, poder e colapso ambiental se entrelaçam numa alegoria incômoda sobre a humanidade — essa mesma civilização que insiste em desabar enquanto finge que está tudo sob controle.

porPaulo Camargo
2 de dezembro de 2025
em Cinema
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Emma Stone retoma parceria com o cineasta grego em 'Bugonia'. Imagem: Focus Features / Divulgação.

Emma Stone retoma parceria com o cineasta grego em 'Bugonia'. Imagem: Focus Features / Divulgação.

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Há filmes que soam como um lembrete incômodo, desses que chegam de mansinho, se instalam no nosso ouvido e seguem sussurrando muito depois da sessão. Bugonia é exatamente esse tipo de visita: parece perguntar, com uma paciência irritante — e talvez necessária — até quando iremos fingir que não estamos entendendo o recado.

Yorgos Lanthimos, como sempre, não perde a chance de nos observar de longe, com aquele olhar clínico de quem reconhece o ridículo e a tragédia nos nossos gestos mais cotidianos. Seu cinema nunca foi um abrigo; é mais um espelho deformado que insiste em refletir aquilo que fingimos ignorar: o planeta cansado, as instituições desmoronando, essa humanidade que tropeça no próprio ego como se isso fosse um ritual indispensável para existir.

No centro dessa alegoria inquieta, está Teddy — e Jesse Plemons lhe empresta uma contenção que chega a ser assustadora. Um homem comum, esmagado pela rotina e pela ideia de que a vida tem lhe passado recibos que ele não pediu. É apicultor amador, trabalhador exausto e terrorista ecológico nas horas em que o desespero respira mais alto. Teddy acredita que a Terra está sendo sabotada por alienígenas e que Michelle Fuller — a CEO impecável interpretada por Emma Stone, afiada como lâmina embainhada — é uma enviada de outro planeta. O mundo dele faz sentido assim: pela paranoia, pelas narrativas que preenchem as frestas do absurdo em que vivemos.

Stone cria uma personagem que se deixa odiar com uma naturalidade perturbadora. A Michelle de Bugonia é o retrato perfeito dessa liderança corporativa que transforma empatia em ferramenta de gestão — e o faz com uma elegância gelada, quase sedutora. Mas basta colocá-la frente a frente com Teddy, num espaço sem câmeras, sem auditório, sem protocolos, para que o verniz comece a rachar. A CEO de olhar polido percebe, talvez pela primeira vez, que não tem qualquer controle sobre o próprio destino.

Mas Bugonia não é sobre tortura, nem sobre alienígenas, nem sobre teorias conspiratórias. É sobre a nossa incapacidade de lidar com o que queremos nomear de poder.

A dinâmica entre os dois, confinados num espaço que parece suspenso do tempo, revela o que Lanthimos faz de melhor: construir tensão a partir da humanidade fraturada. A violência, quando surge, não se apresenta com espetáculo — mas com uma honestidade brutal, como se dissesse: “é disso que somos feitos, e é isso que evitamos admitir”. Há cenas difíceis, há ruídos que doem, há silêncios que valem mais do que qualquer susto.

Mas Bugonia não é sobre tortura, nem sobre alienígenas, nem sobre teorias conspiratórias. É sobre a nossa incapacidade de lidar com o que queremos nomear de poder. Sobre o peso das frustrações que carregamos sem saber onde guardá-las. Sobre o desamparo de um homem que perdeu a mãe para um experimento farmacêutico fracassado — e que, não por acaso, escolhe como inimiga a mulher que personifica esse sistema que opera acima de todos nós.

Há também Don, o primo que segue Teddy não por convicção, mas por afeto — e aqui Lanthimos nos oferece o que talvez seja o último respiro de humanidade possível no filme. Don é o contraponto silencioso, a pergunta sem resposta, a figura que confirma: mesmo na loucura, procuramos companhia.

Visualmente, Bugonia mantém a trilha do diretor: paisagens rurais que parecem à beira do colapso, uma natureza que observa tudo com a calma de quem já viu civilizações inteiras desaparecerem. Robbie Ryan, o parceiro habitual, encontra uma maneira de filmar o desgaste sem cair no óbvio, como se cada plano lembrasse que o mundo já nos avisou várias vezes — e seguimos preferindo ignorar.

No entanto, é a metáfora da bugonia — a antiga crença de que abelhas poderiam surgir de corpos em decomposição — que dá ao filme um brilho estranho, quase poético. É disso que se trata: do desejo de acreditar que, mesmo no pior cenário, algo possa renascer. Mesmo que não sejamos nós.

Bugonia é desconfortável, áspero, por vezes excessivo — mas essa sempre foi a língua nativa de Lanthimos. É um filme que não se contenta em explicar nada; ele prefere cutucar. E, quando termina, deixa no ar a mesma pergunta que o inaugurou: quanto tempo mais vamos insistir em não aprender?

E talvez seja esse o ponto: Lanthimos não acredita em respostas. Mas acredita, com uma convicção quase cruel, na força das perguntas certas.

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Tags: BugoniaCinemaCrítica de CinemaEmma StoneJesse PlemonsYorgos Lanthimos

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