A Caixa de Pandora (2020) é mais uma prova da tendência que o cinema canadense tem de contar histórias familiares de maneira magistral. Exemplos? Um deles é Meus 533 Filhos (2011), cujo protagonista é um bonachão atrapalhado que, escondendo sua identidade de pai biológico, revela-se herói para vários de seus filhos gerados por inseminação artificial.
Outro exemplo é Mommy (2014), que mostra um relacionamento bastante tenso e complexo entre mãe e filho. Atores em interpretações viscerais, trilha sonora pop agradável e formato de tela que deixa o enquadramento quase que totalmente quadrado – passando a permanente ideia de sufocamento – complementam as qualidades do filme.
A Caixa de Pandora não é completamente canadense, mas bebe nas fontes do cinema do Canadá. O diretor Thom Fitzgerald é nascido nos Estados Unidos, mas com uma carreira em grande parte desenvolvida no país vizinho. Neste trabalho, o roteiro de Brad Hennig concede amplo espaço para a personagem Maybelline Metcalf (Jacki Weaver), regente de coral de igreja em uma pequena cidade do Texas.
Este trabalho do diretor Thom Fitzgerald e do roteirista Brad Hennig estimula uma sensibilidade que chega a doer. Mas dói pela beleza de uma história bem contada que alerta para perdões não concretizados em tempo hábil.
Por muitos anos, Maybelline afastou-se do filho, Rickey Peedia (Eldon Thiele), pelo fato de ele ser homossexual. Certo dia, o telefone toca e ela recebe a notícia de que Rickey morreu. Completamente entristecida e arrependida pela forma como relacionou-se com o filho nos últimos anos, ela parte para São Francisco para o enterro, enfrentando a proibição do marido. Lá, descobre que herdou um clube de drag queens de propriedade de Rickey.
Nesse ponto da história tem início um intercâmbio de vidas e visões de mundo completamente diferentes. Não só Maybelline precisa rever posições sobre esse ambiente que lhe é tão estranho. De início, ao ingressar neste novo universo, ela própria é vítima de preconceito. Afinal, o que uma cantora de coral de igreja cristã de uma cidadezinha mais que pequena do Texas está fazendo em uma boate gay que oferece shows de drag queens? Ainda mais uma mulher que teria “matado” o filho em vida pelo medo do que os outros iam achar sobre o comportamento dele.
Um dos mais ariscos à aproximação é Nathan (Adrian Grenier), viúvo de Rickey. Ele acha que a sogra nunca assumida ressurge interessada apenas na herança. Mas, aos poucos, dos dois lados, dos dois mundos, os muros vão lentamente caindo, as arestas vão sendo aparadas e o entendimento tende a prevalecer. Não sem sutis momentos cômicos, é verdade.
A Caixa de Pandora é um daqueles filmes que convida o espectador a pressentir muito bem, lá no início, o que acontecerá. O que resta é acomodar-se diante da tela e esperar para acompanhar o “como”. O que resta é aguardar para conferir de que forma o roteiro dará conta de conduzir o arco dramático, do princípio ao desfecho.
Este trabalho do diretor Thom Fitzgerald e do roteirista Brad Hennig estimula uma sensibilidade que chega a doer. Mas dói pela beleza de uma história bem contada que alerta para perdões não concretizados em tempo hábil; para barreiras perigosamente construídas; e, sobretudo, por chances perdidas de se viver plenamente. A Caixa de Pandora é um verdadeiro ode aos sensíveis, aos incompreendidos e aos que sonham com uma segunda chance, alimentando a esperança de belos recomeços.
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