Em uma das primeiras cenas de A Candidata Perfeita (2019), a médica Maryam Alsafan (Mila Al Zahrani) sofre o desprezo e a rejeição de um idoso que não aceita ser atendido ou tocado por ela pelo simples fato de Maryam ser mulher. Como ela é a única médica da clínica, o paciente prefere ser socorrido por enfermeiros, o que pode colocar em risco a sua própria vida. A misoginia fica mais evidente quando o superior de Maryam concorda com o paciente e, irritado, chega a pedir para que ela não contrarie e estresse o idoso ferido.
Essa cena é apenas uma mostra do que a diretora saudita Haifaa Al-Mansour traz neste filme: a luta das mulheres por mais liberdade em uma sociedade cultural e religiosamente favorável à supremacia masculina. O aumento da provocação da cineasta para o debate sobre essa situação vem com Maryam tomando a decisão de candidatar-se nas eleições municipais. Seu principal motivador é melhorar as condições precárias da rua de acesso à clínica onde trabalha. Em uma das cenas, pacientes idosos são transferidos de cadeira de rodas em meio a poças de água suja e muita lama.
Evidentemente, a atitude da médica não será aprovada por muitos. E isso inclui mulheres. Ela receberá o apoio de suas duas irmãs, que ingressam na campanha. A irmã mais nova a contragosto, é verdade (justamente pelas dificuldades que uma decisão dessas pode trazer), mas, ainda assim, uma colaboradora. Juntas, elas promovem o envio de convites para divulgar a candidatura, vídeo para a campanha, evento para conseguir fundos, entrevista em programa de TV, evento exclusivo para eleitores homens. Nesse último, ela conta com o apoio de Omar (Tareq Al Khaldi), neto do paciente que se recusa a ser atendido, conforme descrito no início deste texto.
Apesar do roteiro que deixa o trabalho mais longo do que poderia ser, a diretora do marcante Mary Shelley (2018) entrega uma obra provocadora. Muito do que se vê na cinebiografia da autora de Frankenstein é também conferido aqui.
O roteiro da própria Haifaa Al-Mansour, em parceria com Brad Niemann, perde-se um pouco em detalhes da viagem do pai da protagonista para uma turnê musical e uma viagem frustrada dela para um congresso de médicos. A narrativa só ganha ritmo e força quando o que está em evidência na tela é a campanha política propriamente dita e seus percalços. Maryam e suas duas irmãs tentam sensibilizar uma população bastante despolitizada e vencer o preconceito entre os mais radicais pelo fato de pertencerem a uma família de músicos.
Apesar do roteiro que deixa o trabalho mais longo do que poderia ser, a diretora do marcante Mary Shelley (2018) entrega uma obra provocadora. Muito do que se vê na cinebiografia da autora de Frankenstein é também conferido aqui. Lógico que os contextos culturais, históricos e religiosos da Inglaterra e da Arábia Saudita, mostrados em uma e outra obra, são bastante distintos. Mas a diretora consegue traçar paralelos quando os assuntos são empoderamento feminino e luta por igualdade de gênero.