Um jovem debate-se violentamente em uma maca ao entrar no hospital. É overdose. Ao cuidar do paciente, a enfermeira Vicky (Vinessa Shaw) é picada pela agulha que usa enquanto trabalha. Esse acontecimento aparentemente minúsculo diante da imensidão de fatos que preenchem as vidas de milhões de pessoas logo se revelará grandioso: movimentará todo o filme Código de Honra (2011). Mobilizará um país. Por isso, a cena abre o relato cinematográfico. Por isso, o título original da obra: Puncture, que, em inglês, quer dizer picada.
Logo após a sequência inicial que apresenta rapidamente a enfermeira, o roteiro baseado em uma história verídica dá um salto no tempo: conduz os espectadores para 1998, três anos após aquele acidente no hospital. Vemos que Vicky contraiu Aids. Jeffrey Dancort (Marshall Bell), amigo da enfermeira, desenvolve uma seringa segura que automaticamente fica inutilizada após o uso e, também, impede que o profissional espete a si mesmo. Ao tentar vender sua invenção, no entanto, Jeffrey acaba sendo praticamente expulso das instituições de saúde.
A causa de Vicky e Jeffrey desperta a atenção de dois sócios de um pequeno escritório de advocacia: Paul Danziger (interpretado por Mark Kassen que, com o irmão Adam Kassen, produziu e dirigiu o filme) e Mike Weiss (Chris Evans, que dá trégua ao Capitão América para, dessa vez, interpretar um Dom Quixote enfrentando corporações gigantescas). Mais do que Paul, Mike aprofunda-se no caso e descobre o motivo da aversão dirigida à invenção de Jeffrey. Grupos de compras subornam as instituições para que somente determinados suprimentos hospitalares sejam adquiridos. Um poderoso caso de monopólio, violação a leis de concorrência, prática indevida de fixação de preços.
Código de Honra é uma daquelas histórias que, pela magnitude, precisam ser contadas. Joga luzes sobre porões que poderosos fazem questão de que permaneçam nas sombras.
Apesar de Paul também se interessar pela causa, é Mike que encara o novo caso com obsessão. A empreitada, inclusive, é fonte constante de conflitos entre os dois. Paul tem esposa e está prestes a ser pai. A sociedade de ambos atravessa séria crise financeira e, à medida que a luta contra a United Medical Health avança, o cerco fica ainda mais apertado para os dois advogados.
Mike, por sua vez, acabou de se divorciar e mergulha na causa com a mesma intensidade com que desliza em uma trágica espiral no vício da cocaína. Aí está um dos destaques do filme, que em nenhum momento hesita em exibir a imperfeição do protagonista.
O herói não é tão herói assim. O diálogo com a senadora O’Reilly (Kate Burton) revela-se uma cena emblemática ao envolver um lenço. O caso das agulhas mostra-se, também, oportunidade de superação pessoal para Mike.
Código de Honra é uma daquelas histórias que, pela magnitude, precisam ser contadas. Joga luzes sobre porões que poderosos fazem questão de que permaneçam nas sombras. “Às vezes, a luz mais brilhante vem dos lugares mais escuros”, prega a enfermeira Vicky no leito do hospital, referindo-se ao próprio sofrimento, mas, indiretamente, conduzindo o espectador a relacionar essa frase ao contexto do enfrentamento à corrupção que envolve o seu problema em nível macro.
Em determinada cena, após discutir a desistência do caso com o sócio Paul, Mike sai do carro e passa por uma rua onde, ao fundo, é possível ver prédios com centenas, milhares de luzes acesas nos apartamentos. A câmera demora na focalização dos edifícios depois que Mike passa por eles, em primeiro plano. São vinte segundos. É como se os diretores nos dissessem: “enquanto um luta por uma causa justa para milhões, milhões seguem suas vidas de modo alheio, indiferentes ao que se passa ou mesmo sem saber o que se passa”.
Estamos diante de um filme sobre agulhas, podridão e o valor da vida de multidões. Um filme indicadíssimo para advogados, profissionais da saúde, jornalistas, enfim, todos. Sobretudo cidadãos crentes de que lutas contra injustiças devem sempre vencer a apatia.
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