O argumento do thriller O Contador, que chega hoje aos cinemas brasileiros após liderar as bilheterias norte-americanas no último fim de semana, soa bastante promissor. Christian Wolff (Ben Affleck, na fase adulta) é um autista que, por conta de sua grande habilidade com números e cálculos, consegue se estabelecer administrando um bem-sucedido escritório de contabilidade em um subúrbio da Grande Chicago. Mas essa é apenas uma das atividades que ele desempenha.
No filme de Gavin O’Connor (do competente Guerreiro), Christian é apresentado, ainda na infância, como um menino que, além do autismo, tem de lidar com um pai militar extremamente autoritário, que se recusa a ouvir a esposa e aceitar as limitações do filho, e tentar inseri-lo por vias pacíficas. Em vez de optar por um tratamento humanizado, ele transforma Chris em uma espécie de “máquina de guerra”, exímio atirador e também hábil em artes marciais.
Esses “talentos”, desenvolvidos sob a coação paterna, são utilizados nos trabalhos paralelos, e pouco ortodoxos, desempenhados por ele em sua vida dupla: os serviços que ele presta exigem bem mais do que matemática financeira.
A premissa de O Contador, como se vê, é potencialmente instigante e, caso O’Connor tivesse nas mãos um roteiro que se concentrasse mais na complexidade do protagonista, teria resultado em um filme mais denso, que discutisse com mais profundidade o autismo. Mas o transtorno é apenas um artifício. As limitações dramáticas de Affleck, bem melhor como diretor do que como ator, tornam Wolff um personagem raso, sem tridimensionalidade, quase uma caricatura. Parece fingir.
A premissa de O Contador, como se vê, é potencialmente instigante e, caso O’Connor tivesse nas mãos um roteiro que se concentrasse mais na complexidade do protagonista, teria resultado em um filme mais denso, que discutisse com mais profundidade o autismo.
Há momentos interessantes, como seu envolvimento com a colega de trabalho Dana (Anna Kendrick, de Amor nas Alturas), uma jovem inteligente, sensível, que consegue alcançar sua humanidade, ultrapassando a barreira da incomunicabilidade peculiar aos autistas. Mas esse é pouco mais de um detalhe numa trama em que a violência dá o tom como forma de resolução de conflitos, que seriam, em princípio, mais de ordem dramática e psicológica. Sobram tiros e pancadaria. Falta, principalmente, sutileza.
O filme desperdiça atores excepcionais como John Lithgow (O Amor É Estranho) e J. K. Simmons (vencedor do Oscar de coadjuvante por Whiplash: Em Busca da Perfeição) em papéis coadjuvantes, embora relevantes para a trama. Eles aparecem pouco, seus personagens são mal acabados, e poderiam estar por mais tempo em cena.
O’Connor se firma, com o êxito comercial de O Contador, no time de bons diretores de tramas de ação, mas a artificialidade de algumas reviravoltas no enredo e de momentos pretensamente dramáticos impedem que ele vá muito além disso. Entrega um filme frustrante.
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