Winston Churchill, por conta de obras televisivas e cinematográficas lançadas nos últimos dois anos, saiu dos livros de História para tornar-se uma espécie de super-herói improvável, resgatado para representar valores que andam em baixa no turbulento cenário geopolítico contemporâneo, como pulso forte, resiliência e capacidade de inspirar o povo. Só para se ter uma ideia, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha protagoniza, de maneira bastante distinta, dois dos nove títulos indicados ao Oscar de melhor filme.
Em Dunkirk, de Christopher Nolan (A Origem), que disputa oito estatuetas, o premiê é uma força tão onipresente quanto invisível, inspirando a população civil do Reino Unido a arregaçar as mangas e ajudar no resgate de 330 mil homens encurralados pelas forças alemãs no litoral norte da França em 1940. Já em O Destino de uma Nação, de Joe Wright (Desejo e Reparação), Churchill é a própria razão de ser do filme, que concorre a seis Oscar e deve dar a Gary Oldman (O Espião Que Sabia Demais) o prêmio de melhor ator por seu desempenho nuançado, cuja árdua missão é humanizar um personagem histórico ímpar, mas por vezes retratado de forma caricata, unidimensional.
O Destino de uma Nação se passa nas primeiras semanas da Segunda Guerra Mundial, quando Churchill chega ao posto de primeiro-ministro e, a despeito do intimidador poderio militar nazista, endurece seu discurso: recusa-se a fazer qualquer tipo de acordo com Hitler. Negociar com fascistas? Jamais.
Como falamos aqui de uma produção britânica, no momento em que o Reino Unido deixa a União Européia, em uma decisão por voto popular, porém bastante controversa, é inevitável constatar que Joe Wright fez um filme com evidente proposta exaltar o espírito nacional.
Assim como Dunkirk, O Destino de uma Nação tem certo caráter ufanista, ainda que disfarçado. Para isso, é inteligente trazer à tela uma visão mais complexa de Churchill, algo que a série The Crown (Netflix), em sua primeira temporada, já havia feito com um magnífico e premiado desempenho de John Lithgow (Interestelar).
Assim como Dunkirk, O Destino de uma Nação tem certo caráter ufanista, ainda que disfarçado.
Na pele de Gary Oldman, vamos o estadista aqui no âmbito privado, principalmente em sua relação de cumplicidade com a mulher, Clemmie (Kristin Scott Thomas, de O Paciente Inglês). Mas, também, como hábil estrategista, em negociações com o rei George VI (Ben Mendelsohn, de Rogue One: Uma História Star Wars) e todo o comando militar. Mas é no bunker montado como o gabinete de guerra – hoje transformado num espetacular museu em Londres – que a sagacidade e o brilhantismo de Churchill, segundo a versão do longa-metragem, florescem.
Produção requintada, muito bem realizada do ponto de vista técnico, O Destino de uma Nação marca pontos ao se preocupar em não idealizar Churchill. Oldman, um ator que sempre evitou personagens heroicos e com frequência opta por um tom mais sombrio em suas interpretações, tem a coragem que encarnar o lado mais odiável do primeiro-ministro, sujeito por vezes desprovido de empatia. Há, no entanto, o esforço de também revelá-lo como alguém sensível, como na sequência impactante em que ele embarca, como um cidadão qualquer, no metrô de Londres, para perceber o que a população estava a sentir sob a ameaça da Guerra.
Mas talvez porque é muito difícil descolar um personagem célebre do conhecimento acumulado sobre ele, O Destino de uma Nação fica no meio do caminho entre um estudo de personagem, o que talvez tivesse sido uma escolha mais ousada do roteiro, e o drama histórico, com a obrigação de não apenas ser fiel aos fatos, mas também de contextualizá-los, em sequências de batalha, negociações políticas, todas calcadas em acontecimentos verídicos. Essa dicotomia o engessa, de certa forma, e chega a incomodar uma certa insistência em mostrar o virtuosismo da interpretação de Oldman. Fica parecendo que o filme foi realizado com o intuito de lhe dar, finalmente, um Oscar. Pode não ser o caso, mas que parece, parece.
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