Já tem um bom tempo que as animações dos grandes estúdios levam ao público discussões mais maduras. Frente ao sucesso estrondoso de Divertida Mente, de 2015, a Pixar segue apostando em longas que requerem um certo esforço para entender suas conexões com as discussões vigentes.
Elementos, lançamento de 2023 do famoso estúdio, acompanha a mesma lógica. A história se centra em um mundo em que há quatro grandes “raças”, designados pelos elementos naturais: água, terra, fogo e ar. Todos são os cidadãos são imigrantes e vieram morar em uma moderna metrópole, mas vivem, de maneira muito evidente, reclusos em bairros específicos da cidade.

A alegoria racial é óbvia: fala-se aqui da intolerância americana com minorias e imigrantes, e sua dificuldade, que parece cada vez mais acentuada, de conviver com os diferentes. A forma de se abordar isso é graciosa, pois os elementos têm personalidades distintas e condizentes com as ideias circulantes, por exemplo, na astrologia: os sujeitos de fogo são estourados e criativos, os de água são emotivos e chorões, os de terra são parados, mas férteis.
Neste contexto desenhado pelo diretor Peter Sohn (de ascendência coreana), é levado ao público uma trama de amor impossível, à la Romeu e Julieta: o improvável romance de uma jovem de fogo e um moço de água.
Animação incrível, roteiro pobre
Que fique claro aqui que Elementos segue os altos padrões de qualidade de animação concretizadas pela Pixar em todos os seus filmes. Contudo, não se pode colocar esta obra dentro da categoria dos longas memoráveis do estúdio – que enfrenta uma grande crise nos últimos anos, acentuada pela sua aparente incapacidade de emplacar novos estouros de bilheteria.
Faísca e Gota são uma graça, mas talvez não tenham a força necessária para gerar o buzz que a Pixar precisa.
Explico. Elementos, como já exposto aqui, contém uma ideia rica a ser explorada e mesmo apresentada às crianças. A proposta é abordar o contexto de desigualdade social envolvendo as diferentes raças. No filme, claramente o fogo é mostrado em consonância com os asiáticos nos Estados Unidos. A protagonista do filme é Faísca, uma moça filha de imigrantes da Terra do Fogo. Seus pais são mostrados como comerciantes locais, que lutam bravamente para levar adiante um mercadinho de bairro (aqui se remete certamente a um estereótipo asiático) e desejam que um dia a única filha assuma o negócio.
Mas Faísca é estourada. Por isso, o pai espera que ela “fique pronta” (no longa, isso significa aprender a controlar o temperamento) para virar gerente da loja. Ocorre que, numa crise, ela acaba estourando os canos e inundando o porão do mercado, o que faz com que um fiscal da prefeitura, o emotivo Gota, tenha que dar várias multas ao empreendimento.
A partir daí, o desenrolar é um pouco óbvio. Há os conflitos entre dois amores que não podem ser (fogo não casa com água), as diferenças sociais (claramente, o povo de água é de classe alta – o que é mostrado de forma meio debochada pelo gosto deles por arte) e o conflito recorrente entre honrar os pais e seguir o próprio destino.

Tudo funciona bem, mas não há exatamente originalidade. E caso isso sugira uma justificativa do estilo “este é apenas um filme para crianças”, vale lembrar que há muitas animações que encontraram soluções mais criativas para seus temas – como o próprio Divertida Mente e Red: Crescer é Uma Fera (2022), da própria Pixar. Um tema semelhante, voltado aos conflitos geracionais e as expectativas dos pais, já encontrou melhor inspiração em Encanto, filme da Disney de 2021.
Faísca e Gota são uma graça, mas talvez não tenham a força necessária para gerar o buzz que a Pixar precisa. Como algumas críticas já apontaram, não é que Elementos não seja divertido – ele só não resta por muito tempo no coração do público.
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