Os apaixonados por musicais não podem deixar de assistir a Em um Bairro de Nova York, adaptação competente para o cinema do premiado espetáculo teatral In the Heights, criado por Lin-Manuel Miranda, também autor de Hamilton, um dos maiores êxitos comerciais e de crítica da última década.
Sob a direção segura e inventiva do cineasta Jon M. Chu (do sucesso Podres de Rico), Em um Bairro de Nova York consegue um feito e tanto: sem perder a essência da obra que o originou, vencedora do Tony, prêmio máximo do teatro nova-iorquino, convencer como uma obra cinematográfica, fluída, envolvente.
Miranda, quando escreveu o musical, que fez sua estreia em 2005, buscou trazer para o palco a intensidade, as cores e a musicalidade da comunidade dominicana do bairro nova-iorquino de Washington Heights, em Manhattan. Mas também buscou revelar, por meio de seus personagens, os conflitos e os desafios enfrentados por quem carrega nas veias o sangue latino, caribenho, mas constrói sua vida nos Estados Unidos, em uma das maiores cidades do mundo.
Quem conduz a narrativa é Usnavi (o ótimo Anthony Ramos), papel vivido por Miranda na versão original da peça. Nascido na República Dominicana, ele imigrou ainda menino em companhia dos pais, que buscaram melhores condições de vida em Nova York. Agora órfão, o rapaz toca o negócio que herdou, um mercadinho de vizinhança até bem-sucedido, mas sonha em retornar para sua terra natal, onde diz ter vivido “os melhores dias de sua vida”. Mesmo tendo crescido nos EUA, ele se sente um peixe fora d’água na patria adotada.
A outra protagonista de Em um Bairro de Nova York é a estudante Vanessa (Melissa Barrera, também excelente), filha de um comerciante de origem porto-riquenha, vivido pelo veterano Jimmy Smits, que está realizando o grande sonho de ver a garota matriculada em uma das melhores universidades do país, Stanford, na Califórnia. A jovem, contudo, não está feliz. Sente imensa falta de sua vida em Nova York, do bairro onde nasceu e cresceu, da cultura hispânica. Não se sente à vontade na Costa Oeste, cercada de estudantes brancos e ricos.
Rodado em Washington Heights, em locações reais, o filme transborda autenticidade, da excepcional trilha sonora, que mescla ritmos latinos, caribenhos e rap hispânico nova-iorquino, à direção de arte e figurinos.
De certa forma, Usnavi e Vanessa encarnam um mesmo mal-estar: o não pertencimento. Também importante na trama é a personagem da abuela (avó) Claudia (Olga Merediz), uma idosa imigrante de origem cubana que encarna uma espécie de matriarca da região, reserva afetiva de toda comunidade, responsável por manter a união e as tradições da vizinhança, sempre sob ameaças, como racismo, marginalidade e extradição, para os que não têm visto de residência.
Rodado em Washington Heights, em locações reais, o filme transborda autenticidade, da excepcional trilha sonora, que mescla ritmos latinos, caribenhos e rap nova-iorquino, à direção de arte e figurinos.
Os números musicais são muito bem filmados, empolgantes, e organicamente integrados à narrativa. Não parecem teatro filmado. Entre eles, um dos destaques é o espetacular “96,000”, rodado em uma piscina pública, com direito a citações às coreografias caleidoscópicas dos clássicos de Busby Berkeley.
A trama acompanha o cotidiano do bairro, durante um verão escaldante, nos dias que antecedem uma grande festa popular da comunidade, que culminam em um blacaute (queda total de energia elétrica), que funciona como uma espécie de metáfora utilizada por Miranda, que integra o elenco como um vendedor de raspadinhas, para representar o ápice dramático vivenciado pelos vários personagens do musical.
Com um bem-vindo tom festivo e otimista, porém nunca alienado alienado, o filme foi muito bem recebido pela crítica norte-americana, que nele viu uma espécie de antídoto contra os sombrios tempos pandêmicos, arrebatado e contagiante.
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