O documentário Ennio, o Maestro, em cartaz nos cinemas brasileiros, é uma jornada emocional arrebatadora para cinéfilos e amantes de trilhas sonoras. Ainda que convencional na forma, o longa-metragem é construído por meio de uma bem alinhavada costura de depoimentos de seu protagonista, o genial compositor italiano Ennio Morricone (1928-2020), de cineastas com quem trabalhou ao longo da vida, músicos de várias gerações, amigos e de imagens de arquivo e dos filmes que musicou.
Sob a direção do cineasta siciliano Giuseppe Tornatore, para quem Morricone escreveu as trilhas de filmes como Cinema Paradiso, Malena e A Lenda do Pianista do Mar, Ennio, o Maestro narra a trajetória do compositor em ordem cronológica e traz como grande trunfo emocionados e sinceros depoimentos do próprio biografado, falando de sua vida e obra em casa, nos seus espaços de criação. É um privilégio, ainda que Tornatore, talvez por conta da admiração que sente pelo mestre, nos permita, como espectadores, pouco tempo para assimilar tantas informações.
O diretor faz uso de uma montagem por vezes acelerada, que, em alguns momentos, poderia nos permitir contemplar e fruir as imagens de Ennio, dos filmes, sem falar da música.
Ficamos sabendo no filme que Morricone, na infância, queria ser médico. O pai trompetista, no entanto, o forçou a seguir a mesma carreira de músico. Ainda bem para nós! O menino logo demonstrou ser mais do que um instrumentista. Musical até a medula, Ennio, ainda muito jovem, fez arranjos inovadores que mudaram os rumos da música popular italiana e, logo, passou a criar composições de grande sofisticação técnica.
No auge da popularidade das canzoni italianas, Morricone fez arranjos de sucessos como “Sapore di Sale” e “Il Mondo”, músicas que alcançaram tanto êxito muito por conta da ousadia musical do compositor.
‘Ennio, O Maestro’: cinema
Foi escrevendo trilhas sonoras para dos western spaghetti do conterrâneo Sergio Leone, seu colega de escola na infância, que Morricone despertou a atenção no mundo do cinema. Suas ousadias musicais para a antológica Trilogia do “Homem sem Nome”, estrelada pelo astro norte-americano Clint Eastwood, fizeram do compositor um dos mais populares e requisitados criadores de música para o cinema até sua morte, em 2020.
No documentário, Tornatore dedica especial atenção à trilha sonora de A Missão (1986), drama histórico de Roland Joffé, filme vencedor da Palma de Ouro. Considerado uma obra-prima, o trabalho de Morricone mistura a música do século XVIII, entre o barroco e classicismo, temas étnicos indígenas sul-americanos e solos de oboé, instrumento tocado por um dos protagonistas do filme, o jesuíta Gabriel, vivido por Jeremy Irons.
Tornatore dedica especial atenção à trilha sonora de A Missão (1986), drama histórico de Roland Joffé, filme vencedor da Palma de Ouro.
Na segunda indicação de Morricone ao Oscar, muitos davam sua vitória como certa, mas o prêmio acabou indo para o jazzista norte-americano Herbie Hancock, pela bela trilha do filme Por Volta da Meia Noite, do francês Bertand Tavernier, que tinha poucos temas originais, escritos especialmente para o longa. O próprio Ennio confessa seu desapontamento com a derrota em depoimento para o documentário.
Ao todo, Morricone receberia ao longo da carreira seis indicações ao prêmio da academia. Venceu apenas em 2015, por Os Oito Odiosos, de Quentin Tarantino, após ter recebido uma estatueta honorária em 2007, pelo conjunto de sua obra.
A adoração de Tornatore por seu parceiro artístico e ídolo é muito evidente. Ennio, o Maestro, mais do que um documentário, é uma emocionante homenagem, um tributo. Ainda assim, o diretor consegue levantar uma reflexão interessante sobre o compositor, cuja obra sempre falou muito mais alto do que ele mesmo.
O filme revela uma alma sensível, em certa medida introspectiva, que, apesar de ter posições firmes, nunca foi verbal, extravagante com as palavras. Ouvi-lo, finalmente, é um privilégio.
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