Por Gabriela Titon*, especial para A Escotilha
Decidi assistir Espaço Além – Marina Abramović e o Brasil numa noite chuvosa de domingo porque, além de admirar o trabalho da performer sérvia, precisava ver algo impactante. Funcionou: o documentário, proposto como uma viagem de cura para a dor emocional, nos conduz a experiências que a artista parece ter vivenciado com a inocência de uma criança e a grandeza de uma mulher que estava lutando para reencontrar seus rumos – ou criar outros possíveis.
Dirigido pelo brasileiro Marco Del Fiol, o filme foge do lugar comum ao perpassar realidades repletas de mística sem estereotipá-las, sempre em busca da transcendência. E aí reside um dos trunfos do longa: tratar espiritualidade e religião de maneiras distintas, já que a segunda concepção carrega um peso institucionalizado. Até para os quase céticos, como eu, acompanhar trechos dos seis mil quilômetros percorridos pela equipe pode despertar questionamentos antes negligenciados.
Trazendo impressões pessoais e artísticas de Abramović em todos os momentos, o documentário registra a busca por “locais de poder e pessoas que têm uma energia especial”, como ela denomina. Um desses encontros é com o médium João de Deus, conhecido mundialmente por realizar cirurgias espirituais em Abadiânia (GO). A trajetória inclui, ainda, visitas a cerimônias praticadas em lugares como o Vale do Amanhecer (DF) e a Chapada Diamantina (BA).
E aí reside um dos trunfos do longa: tratar espiritualidade e religião de maneiras distintas, já que a segunda concepção carrega um peso institucionalizado.
Em Curitiba (PR), a performer participou de rituais xamânicos para continuar procurando respostas a uma pergunta complexa: como ajudar a ampliar consciências por meio da arte? Vale lembrar que, para ela, existe uma conexão intrínseca entre performances e rituais. Na capital paranaense, ela também tomou pela segunda vez chá de ayahuasca (bebida produzida a partir de duas plantas nativas da floresta amazônica), já que na primeira tentativa presenciou algumas das piores sensações de sua vida.
Os cristais energéticos encontrados nas minas de Corinto (MG) representam mais um tema de interesse para a artista desde 1989, quando teve início sua pesquisa no Brasil. Objetos que, em 2015, integraram a mostra Terra Comunal, resultado da jornada introspectiva pelo país documentada em Espaço Além. A instalação foi sediada no Sesc Pompeia, em São Paulo (SP), por um motivo simbólico: segundo Abramović, a natureza não carece de arte; mas as esferas urbanas, sim.
Ao final dessa travessia dolorosa – e, ao mesmo tempo, libertadora –, percebemos uma mulher disposta a viver o desconhecido diante de uma caverna cheia de possíveis acontecimentos. Com a sensibilidade e a garra demonstradas por Marina, fica nas entrelinhas o convite para explorarmos sua definição de space in between (espaço entre, na tradução literal), atingido “quando você abandona seus hábitos e se abre completamente para o destino”. Ela, ao que tudo indica, se abriu.
* Gabriela Titon é jornalista e assessora de imprensa freelancer. Graduada pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), possui especialização em produção da arte e gestão da cultura pela PUC-PR. Atualmente, cursa pós-graduação em marketing pela FAE Business School. É apreciadora de expressões culturais distintas, feminista e defensora da pluralidade na esfera midiática.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.