Comenta-se que, quanto mais uma pessoa envelhece, menos arrisca abandonar sua zona de conforto. Na medida em que a idade avança, hábitos tendem a cristalizar-se, tornando difícil desde mudanças aparentemente insignificantes como o trajeto para o mercado até aquelas mais significativas; a troca da casa, por exemplo. O que dizer de alterações tão grandes como o abandono de uma vida na Inglaterra para investir em uma nova fase na Índia (país de alta complexidade cultural) quando se está perto ou mesmo já se passou dos sessenta anos? É sobre essa essência que se fundamenta O Exótico Hotel Marigold (2011), do diretor inglês John Madden, o mesmo de Shakespeare Apaixonado.
A história enfoca um grupo de idosos que se conhecem durante uma viagem para a Índia. Todos vão para o mesmo destino, o hotel do título. Lá, obviamente, se conhecem ainda mais, cruzando em maior ou menor grau suas vidas e nos fornecendo um retrato provocador e reflexivo desse público tradicionalmente excluído e nem sempre tratado com a merecida atenção por filhos, netos, a sociedade em geral. Em tempos de população mundial cada vez mais envelhecida, o tema é bastante oportuno. Difícil não mencionar que o trabalho de Madden é um grande flerte com Bollywood, a começar, claro, pelo tema, e, depois, pela mais que natural consequência disso: a inserção de atores indianos e trilha sonora idem.
Difícil não mencionar que o trabalho de Bollywood, a começar, claro, pelo tema, e, depois, pela mais que natural consequência disso: a inserção de atores indianos e trilha sonora idem.
O filme mostra-se feliz, sobretudo, por mesclar duas realidades: 1) as particularidades de uma fase da vida na qual as pessoas precisam lidar com assuntos como solidão, problemas de saúde, acertos de contas com o passado e superação do senso de inutilidade; 2) o exotismo de um país extremamente rico em estímulos para os cinco sentidos. “No início, ficamos sufocados. Mas, aos poucos, percebemos que é como uma onda: persista e você será derrubado; mergulhe e você sairá nadando do outro lado”, menciona Evelyn, a personagem de Judi Dench, sobre o processo de adaptação à realidade indiana. Não seria um princípio válido para todos no decorrer dos momentos de adversidades?
Como diz a crítica Ana Maria Bahiana sobre o chamado arco da narrativa cinematográfica: “Um filme é uma jornada, e o roteiro é seu mapa. Protagonistas movimentam-se não apenas no espaço, mas, principalmente, no espaço interior, ao sabor de crises e resoluções. Idealmente, eles devem chegar ao final do filme o mais transformados possíveis, ou seja: narrativa e existencialmente o mais distante possível do lugar – físico, metafísico, emocional – onde começaram”.
O Exótico Hotel Marigold é um bom exemplo dessa afirmação de Ana Maria Bahiana. Pode-se dizer que os vários personagens chegam ao fim bastante transformados em relação ao início. E, nesse trajeto, lançam alguns convites aos risos aqui, outros estímulos às lágrimas mais adiante. Ponto para roteirista, diretor e atores. Nossa capacidade de sensibilizar-se diante de um filme agradável só tende a agradecer.
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