“Eu posso. Eu quero. Eu faço. Eu estou disponível”. O mantra, repetido para os alunos de improvisação teatral numa das cenas iniciais do longa-metragem Fernando (2017), é talvez o que melhor pode resumir o espírito do protagonista, o ator, diretor, professor de teatro, músico e (não menos importante) engenheiro químico Fernando Bohrer. O filme, com direção e roteiro de Igor Angelkorte, Julia Ariani e Paula Vilela, teve a sua estreia na Mostra Competitiva do 6º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, e contou com a presença do próprio protagonista, que comentou sua trajetória artística.
Fernando trabalha com a temática do documentário sob um aspecto ficcional. Quando o artista descobre que está com uma doença cardíaca, passa a perceber o ritmo como um elemento fundamental no seu papel como educador – assim como o próprio ritmo do seu coração. A presença de um relacionamento homoafetivo também é um diferencial na narrativa – que muito lembra o filme estadunidense Love is Strange (2014), de Ira Sachs. O fato de o relacionamento do artista com seu companheiro (então interpretado pelo também maravilhoso bailarino Rubens Barbot) ser uma espécie de porto seguro para o fazer artístico de Fernando revela a beleza da intimidade e do afeto tão pouco representados no cinema brasileiro.
O filme faz o seu papel em demonstrar na personalidade do educador de artes um símbolo de resistência política.
Apesar de César, o verdadeiro companheiro de Bohrer, não estar presente na narrativa, a química entre os artistas é inegável e a representatividade desse elemento se torna um toque essencial durante o documentário. O filme trabalha com pequenos causos, algumas sequências que dão ao espectador um gostinho de “quero mais”, o que, de fato, é bastante concebível, uma vez que a própria trajetória de Fernando não conseguiria caber em 70 minutos. Porém, o filme faz o seu papel em demonstrar na personalidade do artista e do educador de artes um símbolo de resistência política do próprio fazer artístico.
No caso de Bohrer, isso é inegável até mesmo por sua própria existência. Após 20 anos trabalhando como professor de Improvisação, Interpretação e História do Teatro na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro, o artista se retirou no interior fluminense onde nasceu, em Nova Friburgo, onde passou a lecionar artes para crianças. O “mosteiro artístico”, como o próprio Fernando costumava chamar, começou com um recital de Mozart que ele havia dado para os alunos e que seguiu com um ensino multidisciplinar de várias vertentes das artes: desde o teatro até a fotografia. Foi ali, durante os outros 20 anos de sua carreira, que Bohrer teve contato com a verdadeira pedagogia de ser um artista e um educador.
“Cada aluno que chega parece que se aloja em mim e ficamos alinhados”, conta, emocionado, Fernando para a plateia, após a exibição de estreia do filme. “Quando a pessoa fica alojada dentro da gente, não existe tempo – o tempo vira uma invenção”, complementa. Mais do que o retrato de vida de Fernando Bohrer, o filme é um retrato do artista educador enquanto disseminador de cultura. Toda a intimidade poética presente na vida de Bohrer representam o ideal de um educador artístico que, de fato, todo e qualquer educador busca pelo resto da vida. “Posso esquecer o rosto da pessoa, mas os olhos e os gestos eu sempre lembro”, afirma o artista.
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