O cineasta finlandês Aki Kaurismäki é figura emblemática do cinema contemporâneo, reconhecido por seu estilo minimalista, consistente ao longo das últimas décadas. O brilhante Folhas de Outono, vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2023, é um testemunho cativante desse legado muito especial.
A produção, indicada ao Globo de Ouro de melhor filme internacional, está em cartaz nos cinemas brasileiros e apresenta detalhes intrigantes, como uma cena em que a protagonista usa um computador com se fosse algo exótico à sua existência. A trama gira em torno dessa personagem, Ansa (Alma Pöysti, também indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz). Após perder o emprego em um supermercado, onde é acusada de estar levando para casa comida com prazo de validade vencido, ela aluga um laptop em busca de novas oportunidades de emprego.
A atmosfera nostálgica, com calculadoras retrô e um rádio dos anos 1960, contrasta no filme de modo fascinante com uma suposta modernidade. Helsinque, capital da Finlândia, é retratada como uma cidade retrô, quase deserta, onde o ritmo cotidiano não parece convidar à sociabilidade, ao encontro, e sim à solidão. A trama se passa em um futuro próximo: o ano de 2024.
A interação entre Holappa (Jussi Vatanen), um operário pobretão, e Ansa é bastante singular, marcada por diálogos bem-humorados, mas também lacônicos. O relacionamento entre eles, foco central da trama, é desenvolvido com muita delicadeza, refletindo a essência reservada, tímida, da classe trabalhadora finlandesa.
Folhas de Outono, como outras obras de Kaurismäki, exala um encanto simples e acolhedor. Na era da fragmentação, suas produções imutáveis são como viagens de máquina do tempo de volta a um passado não determinado.
O filme destaca o primeiro encontro do casal no cinema, revelando a solidão da protagonista por meio de uma compra simples: um novo prato, já que ela vive sozinha – é sutil, porém tocante, a homenagem de Kaurismäki ao clássico Desencanto, do britânico David Lean, presente no cartaz finlandês do filme da década de 1940 e na premissa dos encontros fugidios entre os protagonistas, traço em comum com a história de Folhas de Outono. O apartamento de Ansa é austero, com um aparelho de rádio que emite apenas notícias sobre a guerra na Ucrânia, trazendo um toque contemporâneo e algo trágico ao enredo.
O cerne do enredo reside no dilema do alcoolismo de Holappa. Embora não seja explicitado, seu conflito com a bebida é evidente. Ansa confronta essa situação, forçando-o a escolher entre ela e o álcool.
As demissões de ambos, por motivos como beber em horário de trabalho, e consumo de produtos fora da validade, refletem ocupações sem perspectivas, tema recorrente na obra de Kaurismäki. Isso o aproxima do estilo engajado e proletário do cineasta britânico Ken Loach. Os filmes de Kaurismäki capturam os resquícios da classe média-baixa, explorando a busca pelo amor em meio às decepções da sociedade industrial.
Folhas de Outono, como outras obras de Kaurismäki, exala um encanto simples, algo excêntrico. Na era da fragmentação, suas produções imutáveis são como viagens de máquina do tempo de volta a um passado não determinado, melancólico, mas que, ainda assim, permite otimismo e redenção.
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