Algo me chamou muito a atenção durante a sessão em que assisti, ontem à tarde, em Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo. Dois grupos de espectadores bastante jovens, que pareciam ter entrado no cinema por conveniência do horário, ou talvez atraídos pelo fato de o galã Channing Tatum estar no elenco, não suportaram o filme. No início da projeção, conversavam, riam alto. Logo, no entanto, ficaram em silêncio, possivelmente intimidados pelo clima soturno da narrativa. Resistiram enquanto conseguiram, imagino eu. Mas na segunda metade da história, quando a tensão psicológica cresce, levantaram, em bando, e partiram. Primeiro uma turma, depois a outra. Ficaram na sala espectadores avulsos como eu, imersos no terceiro longa-metragem do cineasta norte-americano Bennett Miller.
Achei relevante narrar a experiência acima para sustentar minha reflexão sobre o cinema de Miller, um dos diretores mais interessantes, e corajosos, hoje em atividade dentro do chamado cinemão hollywoodiano. Digo isso porque seus filmes, embora não subvertam exatamente a narrativa clássica, têm a ousadia de buscar o caminho inverso trilhado pela maior parte dos realizadores americanos: ele não pede dos espectadores a empatia fácil, não lhes oferece a promessa de catarse, de gratificação no fim da jornada. É enxuto, cirúrgico ao dissecar os dramas de seus personagens. Sem excessos ou concessões. Esse rigor incomoda tanto que alguns não suportam e abandonam o filme, ao perceberem que bateram na porta errada. Escapismo não mora ali.
Ele não pede dos espectadores a empatia fácil, não lhes oferece a promessa de catarse, de gratificação no fim da jornada. É enxuto, cirúrgico ao dissecar os dramas de seus personagens. Sem excessos ou concessões.
Como em Capote e O Homem que Virou o Jogo, ambos indicados ao Oscar de melhor filme, Miller recorre a histórias verídicas para reconfigurá-las segundo a sua percepção criativa, que não pretende explicar demais, transformá-las em fábulas morais, mas delas extrair o que há de mais essencialmente dramático. Steve Carell (de O Virgem de 40 Anos), mais conhecido por sua atuação em comédias, assombra como John du Pont, um herdeiro bilionário, infantilizado por uma mãe dominadora (Vanessa Redgrave, em breve mas marcante participação). Solitário e carente, ele resolve “adotar” Mark Schultz (Tatum), jovem campeão olímpico de luta greco-romana, que em certa medida vive à sombra do irmão mais velho, David (Mark Ruffalo, excelente), também lutador e medalhista. No fundo, Mark é tão triste e solitário quanto John.
Du Pont forja para si uma persona imaginária. Ele se imagina técnico do esporte, e cria em sua vasta propriedade um sofisticado centro de treinamento. Resolve, por fim, ser o grande mecenas da modalidade nos Estados Unidos. Sua fortuna lhe permite essa fantasia perversa. Mas o que o magnata, de fato, ambiciona é ser relevante, reconhecido como um misto de pai e protetor de Mark, com quem desenvolve uma relação de tons homoeróticos que Bennett apresenta com sutileza, sem disso fazer o tema central da trama. O cineasta prefere se debruçar sobre a trajetória de Du Pont, um pobre menino rico, anti-herói do capitalismo, que chega à meia-idade com anseios pueris de aceitação e aposta na força do dinheiro para realizar todos os delírios, e comprar afeto, respeito e, sobretudo, uma vida adulta. Não consegue. Nesse aspecto, é um filme de terror psicológico implícito.
Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo deu a Miller o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes e está indicado a cinco Oscars: direção, ator (Carell), ator coadjuvante (Ruffalo), roteiro adaptado e maquiagem.
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