O longa A Garota Dinamarquesa estreou ontem nos cinemas brasileiros. Com quatro indicações ao Oscar (ator, atriz coadjuvante, figurino e direção de arte), o filme narra a história de Lili Elbe (Eddie Redmayne, de A Teoria de Tudo), a primeira pessoa que se tem conhecimento de ter se submetido a uma cirurgia de mudança de gênero.
Nascida Elnar Mogens Wegener, na pequena Vejle, Dinamarca, em 1882, ganhou notoriedade em seu país com a pintura. Sua especialidade eram paisagens, algumas bastante sombrias, como uma evidência de que havia algo ocorrendo em sua mente que ela ainda não conseguia conceber. Em A Garota Dinamarquesa, conhecemos Lili ainda como Elnar, casada com Gerda Gottlieb (Alicia Vikander, de Ex Machina), também pintora. A relação dos dois parece saída de um conto de fadas: são melhores amigos e parecem só ter olhos um para o outro.
Esse mundo perfeito racha quando Elnar decide se vestir com roupas de mulher para ajudar Gerda, que não encontrava modelos para seus quadros. Ele começa a se sentir deslocado, não conseguindo se reconhecer enquanto figura masculina. Seu conflito acaba prejudicando o matrimônio, ainda que Gerda procurasse ser compreensiva com o marido, protagonizando inúmeras demonstrações de amor por ele.
É nesse impasse gerado pelo desejo de Elnar em manter-se Lili definitivamente, dando margem a uma grande atuação de Eddie Redmayne, que reside a grande força de A Garota Dinamarquesa. Redmayne dá mais um espetáculo frente à tela, sendo o grande (e, talvez, único) obstáculo para que Leonardo DiCaprio ganhe finalmente uma estatueta do Oscar. Sua interpretação de Lili é delicada, ainda que haja por vezes um exagero nos trejeitos femininos. Só causa estranheza que o longa tenha sido indicado por figurino mas não em maquiagem e cabelo, pontos cruciais na transformação de Elnar em Lili.
Redmayne dá mais um espetáculo frente à tela, sendo o grande (e, talvez, único) obstáculo para que Leonardo DiCaprio ganhe finalmente uma estatueta do Oscar.
Entretanto, o filme dirigido por Tom Hooper (de O Discurso do Rei, pelo qual ganhou um Oscar de melhor diretor) apresenta inúmeras falhas, tanto de sua direção quanto do próprio roteiro. Para além da crítica feita pela não escolha de uma mulher transexual para o papel principal (da qual faço coro), o roteiro de A Garota Dinamarquesa desliza ao retratar Lili como tendo passado por uma feminização forçada, quase mascarando a verdadeira história de luta da personagem. O roteiro de Lucinda Coxon, ainda, é baseado em um livro que não conta a verdadeira história de seus personagens, mascarando, por exemplo, elementos da sexualidade de Gerda, além de deixar inúmeros buracos entre o que realmente aconteceu e o retratado ao longo das quase duas horas de filme.
Hooper também tropeça ao subestimar a inteligência de sua audiência, criando sequências repletas de clichês, com aparente intuito deliberado de gerar comoção, como se conduzisse o espectador tal qual uma orquestra, determinando o exato momento em que ele deve chorar, sorrir ou se assustar. O diretor também peca pelo excesso de preciosismo de seus planos, quase artificiais de tão exageradamente bonitos, desfilando pelo perigoso trajeto no qual a forma sobrepõe o conteúdo. Como se diz no truco, Hooper morreu com o “zap” na mão.
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