Mara Ordaz, personagem central do filme A Grande Dama do Cinema, é uma espécie de Nora Desmond, protagonista do clássico de Billy Wilder, Crepúsculo dos Deuses (1950). Na pele da consagrada Graciela Borges (de O Pântano), também um mito do cinema argentino, Mara foi uma estrela na juventude, chegou a ganhar um grande prêmio internacional (o Oscar?), mas foi esquecida com o passar dos anos. Afastada das telas há décadas, vive em uma velha mansão decadente nas cercanias de Buenos Aires com o marido paraplégico, o também ator Pedro (Luis Brandoni), o cineasta Norberto (Oscar Maritnez) e o roteirista Martin (Marcos Mundstock), todos no ostracismo, assim como ela.
Assinado por Juan José Campanella, de grandes sucessos como O Filho da Noiva (2001) e O Segredo dos Seus Olhos (2009), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, A Grande Dama do Cinema, baseado no romance El Cuento de las Comadrejas, brinca com as convenções do melodrama para construir uma saborosa farsa sobre o próprio cinema e o star system em seu país. É ao mesmo tempo muito engraçado e bastante cruel em sua visão sobre o envelhecer em uma indústria que endeusa a juventude.
O convívio entre Marta, Pedro, Norberto e Martin reproduz de certa forma a teia de relações que um dia tiveram, quando ainda estavam na ativa. Ela, nas posição de diva, ainda que na obscuridade, os tiraniza. O marido nunca teve uma carreira a sua altura, e os outros dois de certa forma tiveram suas carreiras atreladas à dela. A imensa casa que compartilham é um mausoléu de lembranças, forrado de cartazes, fotos, troféus e lembranças. Dividem espaço com ratos e a falta de dinheiro.
Assinado por Juan José Campanella, A Grande Dama do Cinema brinca com as convenções do melodrama para construir uma saborosa farsa sobre o próprio cinema.
Tudo muda na rotina do quarteto, que esconde um segredo mantido a sete chaves, quando entram cena Francisco (Nicolás Francella) e Barbara (Clara Lago). Deslumbrados, aparentemente, com o passado de glórias de Mara, eles resolvem agenciar seu grande retorno à ribalta. Tentam convencê-la a vender a casa e a voltar a Buenos Aires, sem levar em consideração que ela não vive só, que sua vida está profundamente ligada a de seus companheiros. Carente de atenção e seduzida pela possibilidade de resgatar seus dias de estrela, ela sucumbe.
Um tom acima, entre a caricatura e a paródia, A Grande Dama do Cinema poderia ser um pouco mais curto, mas oferece ao espectador a delícia de assistir a quatro grandes atores veteranos em cena, brincando com suas próprias personas, principalmente Graciela, que tem cenas de seus filmes antigos projetadas como se fossem de Mara. Em um momento sublime do filme, seu rosto do presente se funde com o do passado. A trama, cheia de reviravoltas, é, no fundo, uma grande homenagem ao cinema, tanto aos seus gêneros e formatos narrativos quanto a sua mística, por vezes aterrorizante, assim como em Crepúsculo dos Deuses. Campanella prova, mais uma vez, ser um hábil artesão, um ótimo contador de histórias.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.