Há 25 anos, os irmãos Coen (Joel na direção, Joel e Ethan no roteiro) lançavam ao mundo um pequeno grande filme de comédia. Certamente eles não tinham noção de que uma obra despretensiosa como O Grande Lebowski se tornaria um cult. Literalmente: houve até quem instituiu a existência de uma religião, o Dudeism, para seguir os “preceitos” do protagonista vivido por Jeff Bridges.
Mas o que há nesse filme que o torna tão querido há mais de duas décadas, mesmo estando longe de ser um blockbuster? Ora, quem faz essa pergunta certamente não assistiu a O Grande Lebowski. Talvez esta seja a obra em que os Coen levaram o seu estilo à perfeição: um grande medley entre gêneros cinematográficos, com um humor paródico, meio caipira, e uma alta quantidade de personagens carismáticos e/ou muito burros.
Vejamos. A história contada em O Grande Lebowski é a seguinte: um sujeito desempregado chamado Jeffrey Lebowski tem sua casa invadida e é agredido covardemente. Além da apanhar, os invasores fazem xixi no seu tapete, o objeto favorito da casa. Eles querem cobrar uma dívida de sua esposa, Bunny (Tara Reid).
Mas Lebowski não é casado. Logo, ele descobre que foi confundido com um milionário homônimo (David Huddeston). Resolve então ir atrás do “grande Lebowski” para tentar recuperar parte do seu prejuízo. Ao fazer isso, ele se envolve numa trama de mistério sem pé nem cabeça, envolvendo sequestro, niilistas alemães, cinema pornô, cowboys, artistas plásticos e sexo com fins reprodutivos.
O que encanta em O Grande Lebowski não é o que acontece exatamente, mas o quanto todos os atores (gente de alto calibre, vale dizer) se entregam às performances cômicas, concretizando este que talvez seja o último cult movie consolidado antes da popularização da internet.
Um retrato da era Bush
Por incrível que pareça, há um contexto político que atravessa O Grande Lebowski. Ao começo do filme, sabemos que esta história se passa em 1991 – ou seja, na metade do governo de George Bush pai, em meio à tensão da guerra do Iraque. O bonachão Jeffrey Lebowski é uma espécie de pós-hippie que nunca superou Woodstock. Ele não trabalha (no único momento em que fala sobre sua “carreira”, menciona que foi roadie do Metallica) e se autointitula como um pacifista. Ao ser agredido, ele nunca reage.
A única coisa que The Dude (“O Cara”, apelido que recebeu dos amigos) parece fazer é fumar maconha e jogar boliche. Seu estilo de vida, que encantou milhões de pessoas pelo globo, é o de simplesmente relaxar. Ele está quase sempre usando roupão, de pijama, bebendo um drinque chamado White Russian (preparado com vodca, licor de café e creme de leite) e ouvindo Creedence Clearwater Revival (ele abomina os Eagles, como ressalta em vários momentos do filme).
O Grande Lebowski não deve ser encarado um filme de suspense. Ao menos não exatamente. A solução do “mistério” central pouco importa, aliás.
Sua paz começa a ruir quando é tirado da sua inércia para participar da tentativa de solução de um crime. A esposa do Grande Lebowski foi sequestrada, e ele quer usar o vagabundo como uma espécie de mula para entregar o resgate. Mas as coisas não são nada simples. A filha do milionário, Maude (Julianne Moore), também se enfia na história e pede para The Dude fazer outra coisa.
A grande fonte de humor do filme, contudo, está no contraponto entre dois patetas: o próprio Lebowski e seu amigo Walter Sobchack (vivido de forma hilariante por John Goodman). Walter, que é um veterano do Vietnã, representa quase o oposto de The Dude: é armamentista, defensor da violência e da liberdade de expressão, e vive com medo da chegada do comunismo.
Em comum com o amigo talvez só esteja o fato de que ele não é muito inteligente. E quase tudo que dá errado na trama tem um dedo de Walter, muito convicto em sua capacidade de sempre sugerir a pior coisa a se fazer. Com uma incapacidade de aprender com os seus erros, e afeito às teorias de conspiração, ele parece um prenúncio do bolsonarismo.
Os símbolos políticos, aliás, estão presentes no filme. Na casa desorganizada de Lebowski, há um grande pôster de Richard Nixon jogando boliche (os fãs enxergam aí um deboche dos irmãos Coen). E em uma das ocasiões em que The Dude tem uma alucinação, ele se vê num salão de boliche, e o atendente é Saddam Hussein.
O elenco estelar de ‘O Grande Lebowski’
Além dos papéis de Bridges, Julianne e Goodman, o filme está repleto de estrelas cult representando papéis peculiares e memoráveis. Todos estão excelentes, aliás: Steve Buscemi vive Donny, amigo de Lebowski e Walter, e a ponta mais frágil deste círculo de amizade; John Turturro tem uma ponta engraçadíssima como Jesus Quintana, o pederasta “rival” no boliche do time dos amigos; o saudoso Philip Seymor Hoffman vive o constrangido aspone do Grande Lebowski.
O Grande Lebowski não deve ser encarado um filme de suspense. Ao menos não exatamente. A solução do “mistério” central pouco importa, aliás. Como algum crítico já escreveu, é um filme sobre estilo de vida: sobre como um sujeito sem qualquer ambição consegue ser feliz sem dinheiro no bolso, sem emprego e apenas aproveitando o dia de hoje.
Obviamente, o contexto americano é diferente do nosso, e há no filme dos Coen uma espécie de elogio aos supostos losers que vivem apenas por conta dos subsídios do governo, sem “produzir” nada. Pacifista, anticapitalista e praticamente apenas um cara simpático, não é de se estranhar que esse tenha se tornado o papel pelo qual Jeff Bridges é mais lembrado. The dude abides.
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