Há uma espécie de grande tema vigente nas artes e na ciência brasileiras, e que promete se tornar cada vez mais explorado nos próximos anos: narrativas que tentam investigar como chegamos até aqui. Como é possível que os brasileiros tenham optado, em 2018, e quase optado novamente em 2022 por um governo com indiscutíveis tons fascistas? Onde está a gênese deste sentimento de que tudo precisava mudar, nem que fosse para pior?
Muitos analistas observam um marco nas manifestações populares que tomaram as ruas em 2013. Mas há mais coisas neste caldo confuso de fatos que ainda serão assentados pela história. O filme Hamlet, do diretor gaúcho Zeca Brito, aborda este tema ao olhar para o caos político de 2016, por meio de um acontecimento muito importante ocorrido neste ano: a mobilização de estudantes secundaristas em escolas públicas.
O longa – que é um híbrido muito interessante entre documentário e ficção – foi filmado em 2016 e traz registros reais feito em escolas de Porto Alegre que participavam do movimento. A sacada, que aproxima o filme do ficcional e provoca a tensão em desvendarmos o que seria o “real” ali, é construir a intertextualidade com Hamlet, a peça clássica de William Shakespeare.
Um jovem Hamlet no ensino público
A história de Hamlet – costurada a partir de uma estratégia difusa, com sujeitos reais e inventados – vai se centralizar, em boa parte do longa, nos conflitos de Fredericco (Fredericco Restori), um estudante que está envolvido neste movimento, mas precisa enfrentar os seus próprios fantasmas. O que vale a pena fazer? Para que serve aquela organização? Os estudantes que estão ocupando as escolas estão servindo de massa de manobra política, ou estão de fato agindo para o bem de todos, mesmo os que são contra a paralisação?
Da mesma forma que ocorre na peça de Shakespeare, este Hamlet adolescente é um atormentado pelos próprios dilemas, que impossibilitam que ele tenha clareza sobre as ações que deve tomar.
Da mesma forma que ocorre na peça de Shakespeare, este Hamlet adolescente é um atormentado pelos próprios dilemas, que impossibilitam que ele tenha clareza sobre as ações que deve tomar. No meio do caminho, na busca de que haja alguma iluminação, o jovem busca vozes orientadoras (tal como Hamlet, que via o espírito do seu pai morto).
No filme de Zeca Brito, estas vozes são três. A primeira é a do crítico Jean-Claude Bernardet, que em certo momento vai dar um testemunho aos estudantes secundaristas. A segunda é da presidente Dilma Rousseff que, meio com um golpe em curso, está em uma manifestação em Porto Alegre e dá um abraço em Fredericco.
E a terceira, que talvez seja mais importante, é a do ator e diretor Marcelo Restori, que é pai do ator Fredericco Restori, e opera como um mentor generoso que aparece quando menos se espera e orienta o filho na sua existência entre ser ou não ser, permanecer ou agir.
É da boca de Marcelo que saem as frases mais belas deste filme: “este prazer de ser é muito maior e significativo na existência, se é que a existência tem algum significado. Mas esse pensar em ser, ele cria um significado para esse nada que é a vida”. Tal qual os estudantes secundaristas que ousaram ser.
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