O mar é tema presente em muitas obras literárias e cinematográficas. Em A História da Minha Mulher, da diretora húngara Ildikó Enyedi, a existência do oceano é literal e metafórica. O protagonista do filme é o imponente e respeitado capitão Jakob Störr (o ator holandês Gijs Naber), que recebe uma recomendação inusitada do cozinheiro de seu navio cargueiro para curar uma dor crônica do estômago: ele deveria se casar.
De volta à terra firme, em um almoço com seu amigo, o trapaceiro Kodor (Sergio Rubini), ele sugere uma espécie de aposta: irá se casar com a primeira mulher que entrar naquele café. É então que aparece Lizzy (a francesa Léa Seydoux, de Crimes of the Future), uma bela e misteriosa jovem que, de forma surpreendente, aceita o pedido de casamento.
Inspirado no romance The Story Of My Wife: The Reminiscences Of Captain Störr, do escritor húngaro Milán Füst, o filme causa certo espanto por conta do tom arrojado da história (já que o livro foi escrito em 1946). O que se acompanha, nas quase 3 horas do longa, é o desdobrar na vida do capitão deste relacionamento iniciado de uma forma inóspita.
A trama da obra de Ildikó Enyedi é focada no ângulo de visão de Jakob Störr e sobre como o compromisso assumido com Lizzy vai adquirindo onipresença na sua vida.
Ainda que seja acostumado com a intempestividade do mar, Jakob tem sérias dificuldades para lidar com a impenetrabilidade da personalidade de Lizzy (defendida de maneira adequadamente contida e lânguida pela estrela Léa Seydoux). Ocorre que, por ser capitão, ele se ausenta de casa por longos meses. Se durante a aposta ele afirma a Kodor que lidaria tranquilamente com uma traição, ele agora se vê atormentado por não dominar o que acontece com a esposa enquanto está fora.
Para completar, embora quieta, ela é festiva e sociável com os seus muitos relacionamentos – o que inclui o bon vivant Diden (papel de Louis Garrel, de Os Sonhadores) – estimulando ainda mais o desconforto do esposo.
A história de um marido
Organizado em sete capítulos que até trazem alguma comicidade para o longa, A História da Minha Mulher tem uma premissa interessante – o de abordar os desafios dos relacionamentos construídos em bases frágeis, envolvendo questões como ciúmes, machismo, violência, tesão, e até uma abordagem inesperada sobre o caminho do relacionamento aberto. Contudo, há um equívoco (proposital, eu imagino) já no título.
A trama da obra de Ildikó Enyedi é focada justamente no ângulo de visão de Jakob Störr e sobre como o compromisso assumido com Lizzy vai adquirindo onipresença na sua vida. É como se dissesse: quando são desajustados, os relacionamentos de casal conseguem, tal como um vírus, contaminar toda a vida de uma pessoa.
Lizzy, por outro lado, opera como o catalisador de todos os dramas, mas seu semblante misterioso nunca é decifrado para o público. Afinal, ela ama o marido ou não? Ela está o traindo ou é tudo imaginação da cabeça de Jakob? O ângulo feminino não é posto em cena, o que, em certos momentos, causa uma sensação desconfortável como se uma mulher estivesse sendo apontada como a causadora de todos os males, e não também como vítima de um sujeito de personalidade instável.
Ainda assim, pode-se dizer que há uma certa riqueza no filme húngaro ao deixar estas questões em aberto, solicitando a interpretação do espectador. Com uma belíssima fotografia de época, A História da Minha Mulher agrada aos olhos, mas tem resultado irregular – além de se tornar bastante cansativo por conta de sua duração.
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