Impossível falar da trajetória do fictício Super-Homem sem mencionar o ator George Reeves. Nos anos 1950, ele interpretou o personagem na TV. As circunstâncias que envolvem sua morte são dignas de um roteiro cinematográfico. Hollywoodland – Bastidores da Fama (2006), do diretor Allen Coulter, é a confirmação desse roteiro nas telonas. Oficialmente, Reeves suicidou-se. Mas há controvérsias. O filme de Coulter vem justamente para mostrá-las em uma atmosfera noir.
A obra, apregoam seus idealizadores, tem a preocupação de exibir “toda a verdade possível”. Ao se pesquisar minimamente a história de Reeves até desembocar na fatídica noite de 16 de junho de 1954, conclui-se que o roteiro de Paul Bernbaum procura, sim, aproximar-se da realidade.
Para nos conduzir, Bernbaum optou por inserir na trama o detetive particular Louis Simo (Adrien Brody), que investiga a morte de Reeves (Ben Affleck). Conforme explica o diretor, uma história (a de Reeves) ecoa a outra (a de Simo). O personagem de Brody, porém, é fictício: “uma junção conveniente de várias pessoas reais, mas sem ser nenhuma delas”.
O filme vem muito mais para provocar perguntas do que conceder respostas. Prato cheio para os amantes de mistério e da metalinguagem (o cinema falando do mundo do cinema). Sacrilégio para quem gosta de finais conclusivos.
A história mostra razões para um possível suicídio. Para alguém vindo do cinema, ingressar na emergente televisão era sinal de decadência. A cena envolvendo o clássico A Um Passo da Eternidade é emblemática. Reeves consegue um pequeno papel no filme de Fred Zinnemann. Mas ao surgir na tela, os espectadores relacionavam sua imagem com a do papel trash na TV, fato que levou o diretor a cortá-lo na montagem final.
Há outras cenas mais sutis que evidenciam o descontentamento do ator com sua trajetória profissional. De uniforme cinza diante do espelho, Reeves diz parecer “um idiota”. Em outro momento, o diretor retrata a queda do ator durante a simulação de um voo. O filme nos dá duas possíveis causas para a morte do herói da TV: (1) marido descontente manda matá-lo após a esposa ter sido abandonada pelo galã; (2) nova namorada mata acidentalmente o futuro esposo em briga regada a álcool.
Hollywoodland tem inúmeros elementos noir: história policial, fracasso do protagonista, final em aberto, fotografia em cores não saturadas, cenários noturnos, interiores sombrios, flashbacks, corrupção, luta de interesses. Não existe a loira fatal, mas Leonore Lemmon (Robin Tunney) encarna uma morena sensual, de moralidade duvidosa e caráter idem.
Coulter traz todos esses elementos pincelando na tela aspectos como a carga sexual que o “homem de aço” é capaz de suscitar, a eventual dificuldade das crianças em absorver corretamente cenas de violência, a preocupação com a imagem e a forma física para “sobreviver” diante das câmeras, a frágil distinção entre atuação e verdade (ator sendo autêntico na relação ou encarnando um papel para ocultar segundas intenções?), a inevitável e válida abordagem do impacto do suicídio de um “herói” sobre o imaginário infantil.
Como já se sabe que o caso nunca foi solucionado, o filme vem muito mais para provocar perguntas do que conceder respostas. Prato cheio para os amantes de mistério e da metalinguagem (o cinema falando do mundo do cinema). Sacrilégio para quem gosta de finais conclusivos.
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