Cinebiografias são projetos complexos. Retratar a vida de um personagem pode ser feito de diferentes maneiras, e a escolha por qual delas utilizar influência diretamente no resultado do trabalho. Dos riscos, Noah Oppenheim, roteirista de Jackie, longa-metragem que estreou ontem nos cinemas nacionais, escolheu o maior: o recorte de um momento específico da vida de Jacqueline Kennedy, o posterior ao assassinato de presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy.
Por mais óbvia que a escolha possa soar, ela é a que permitia um maior potencial dramático. Mas, para isso, era necessário um diretor que arriscasse e ousasse na mesma medida que o roteiro impunha e uma atriz que captasse as exigências do filme. Aqui entra a lente do chileno Pablo Larraín (de Neruda) e a brilhante atuação de Natalie Portman (Cisne Negro).
Jacqueline Kennedy, ou Jackie, é a mais icônica ex-primeira-dama norte-americana. Ela é personagem de uma das maiores tragédias da história dos Estados Unidos, e é sob o seu viés que acompanharemos, entretanto, sem focar na figura do presidente. Em Jackie, a personagem é apresentada em toda sua humanidade sem recorrer ao melodrama para isto. O filme transcorre apoiado em duas distintas confissões, responsáveis por conferir essa humanidade à ex-primeira-dama. A primeira acontece durante a entrevista concedida a um jornalista não nomeado (Billy Crudup, de Inimigos Públicos), mas que representaria o repórter Theodore H. White, da revista Life, que a entrevistou uma semana depois do atentado.
Natalie Portman encarna com precisão as inúmeras camadas que compõem Jackie. Não se trata de parecer fisicamente ou não com Jacqueline Kennedy, mas da entrega da atriz em compor esse personagem tão emblemático e tão complexo.
É através dele que entramos em contato com a visão de Jackie sobre sua passagem pela Casa Branca, as percepções sobre seu papel durante o governo de John Kennedy. Jacqueline nunca esteve satisfeita com a posição figurativa. Ela demonstra uma consciência do poder e do significado da imagem de seu marido para o país e para o mundo, pouco conhecida do público. E o filme a coloca como protagonista da história, retirando-a da sombra do marido.
Mas é na confissão dela ao padre interpretado por John Hurt (em uma atuação encantadora) que encontramos as melhores sequências de Jackie. As turbulências de sua relação com John Kennedy são expostas, trazendo à tona o lado menos edificante da figura do ex-presidente. Natalie Portman encarna com precisão as inúmeras camadas que compõem Jackie. Não se trata de parecer fisicamente ou não com Jacqueline Kennedy, mas da entrega da atriz em compor esse personagem tão emblemático e tão complexo.
Larraín e sua câmera são excepcionalmente autorais e não convencionais. Não só a estrutura caminha por uma narrativa não-linear bem como o diretor chileno joga com os enquadramentos, os constantes closes e a ótima montagem, que não permite que Jackie resulte em um filme confuso.
Não é apenas o diretor que presta homenagem a uma das maiores e mais importantes mulheres da história dos Estados Unidos, mas principalmente a estupenda atuação de Natalie Portman, fortíssima candidata a mais uma estatueta do Oscar, apesar da forte concorrência de Isabelle Huppert (Elle). Uma atuação que entra para a história de uma personagem que nunca sairá dela.
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