Criar pode ser um processo doloroso. Voluntariosa, a inspiração, por vezes mais essencial do que o próprio talento, pode dar um perdido, desaparecer. Jesus Kid, novo longa-metragem do cineasta baiano-curitibano Aly Muritiba, lançado menos de um ano depois de seu filme anterior, o arrebatador Deserto Particular, fala disso, mas não apenas.
Vencedor dos prêmios Kikitos de melhor direção e roteiro do Festival de Gramado em 2021, Jesus Kid, em cartaz nos cinemas, é baseado na obra homônima de Lourenço Mutarelli, autor de O Cheiro do Ralo, que deu origem ao filme de Heitor Dahlia, de 2006, com o qual tem bastante em comum. Também está no limite entre a paródia e o surrealismo.
No longa, o ator e ex-Titãs Paulo Miklos (de O Invasor) interpreta Eugênio, autor de livros de faroeste, cuja carreira está em risco: a série de romances com seu personagem mais famoso, o tal Jesus Kid que dá título ao filme, tornou-se um fracasso de vendas, e sua editora ameaça deixar de publicá-lo.
A bóia salva-vidas surge na forma de um convite para escrever um roteiro para o cinema. Mas há uma condição: Eugênio deve ficar confinado por três meses em um hotel de luxo para finalizar o script. O enredo? Um escritor medíocre, que sonha em se tornar um autor de sucesso. Metalinguagem, enfim.
No hotel, onde realidade e devaneios se confundem, em meio e personagens que beiram o absurdo, o protagonista traz à “realidade” (o que quer que isso pretenda dizer) o caubói Jesus Kid, vivido pelo galã Sergio Marone, coprodutor do filme.
Além, obviamente, dos faroestes, Muritiba busca referências em filmes que lidam com o tema roteiro versus bloqueio criativo: a mais evidente é Barton Fink – Delírios de Hollywood.
Sujeito fraco e tímido, Eugênio aos poucos vê seu personagem, projeção de um ideal de masculinidade que povoa seu imaginário, aos poucos assume o controle da situação – e da própria narrativa de Jesus Kid.
Além, obviamente, dos faroestes, ainda que de forma paródica, Muritiba busca referências em filmes que lidam com o tema roteiro versus bloqueio criativo: a mais evidente é Barton Fink – Delírios de Hollywood, que deu aos irmãos Ethan e Joel Coen a Palma de Ouro em 1991.
No longa dos irmãos Coen, John Torturro vive um roteirista assombrado não apenas por sua incapacidade de criar, mas pelas engrenagens triturantes da indústria.
Por trás do tom cômico, assumidamente farsesco, Jesus Kid faz uma crítica cáustica ao mercado editorial e, é claro, ao cinematográfico, os tratando como um antro de bandidagem e os inserindo em um contexto histórico bastante atual, assustadoramente reconhecível.
O país, sob o jugo de um governo neofascista, está às voltas com discursos violentos e conservadores, mas também ridículos, avessos à arte e à cultura, vistas como detratoras de seu projeto de poder. Assim, artistas devem ser tratados como vagabundos sem propósito e antipatriotas.
Ao mesmo tempo engraçado e incômodo, Jesus Kid tem problemas de ritmo, mas é visualmente intrigante. Encontra um de seus pontos fortes na direção de arte, assinada por Alex Rocca, que contribui emprestar ao filme uma ambientação retrô e opressiva, claustrofóbica.
O hotel onde boa parte da trama desenrola tem um quê de cenário de pesadelo, a começar pelo seu recepcionista vilão Chet, que deu ao curitibano Leandro Daniel o Kikito de melhor ator coadjuvante. Os também paranaenses Maureen Miranda e Luthero Almeida têm papéis de destaque no filme, rodado em Curitiba.
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