Em sua estreia como diretor de longas-metragens, o cineasta Pedro Freire entrega uma obra de profundidade rara com Malu, um tributo à sua mãe, a atriz Malu Rocha (1947-2013), figura emblemática da cultura brasileira. Apresentado ao público durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme carrega um currículo de peso, tendo passado pelo Festival de Sundance e conquistado os prêmios de melhor filme, roteiro, atriz (Yara de Novaes) e atriz coadjuvante (dividido entre Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha) no último Festival do Rio. Malu chega aos cinemas como uma das melhores produções nacionais do ano.
O enredo, em sua aparente simplicidade, contrasta com a densidade emocional da narrativa. Malu (Yara de Novaes), uma atriz que vive das glórias de um passado distante, divide uma casa na periferia do Rio de Janeiro com sua mãe tradicionalista (Juliana Carneiro da Cunha) e tenta navegar um relacionamento turbulento com a filha jovem e inquieta (Carol Duarte), também atriz. Este núcleo familiar, pequeno mas poderoso, é o palco para uma reflexão pungente sobre os laços de afeto, conflitos geracionais e o peso da memória.
Freire, filho do ator Herson Capri com Malu Rocha, revela-se um observador minucioso das relações humanas, construindo um retrato honesto e complexo das dinâmicas familiares. O diálogo, natural e fluido, se torna o principal instrumento de conexão entre personagens e público, criando uma sensação de proximidade que transcende a tela.
A força motriz do filme reside nas interpretações impressionantes do trio central. Juliana Carneiro da Cunha incorpora a avó como uma figura estoica, marcada por experiências acumuladas ao longo de uma vida de desafios. Yara de Novaes entrega uma atuação de tirar o fôlego como Malu, expondo as vulnerabilidades e os desejos não realizados de sua personagem com autenticidade cortante. Carol Duarte, por sua vez, brilha ao expressar a ânsia de romper com as amarras do passado e encontrar uma voz própria. Juntas, essas atrizes criam um mosaico vibrante e multifacetado da experiência feminina e das complexidades que permeiam a maternidade.
Outro aspecto marcante é a estética do filme, que contribui para a imersão emocional do espectador.
Ao longo da narrativa, Freire explora com sensibilidade questões como saúde mental, ciclos de violência emocional e os desafios impostos pelas expectativas sociais. O diretor evita o caminho do melodrama fácil, optando por uma abordagem mais sutil e profunda, na qual as dores e os momentos de superação emergem com naturalidade. O equilíbrio entre o peso dos temas abordados e a leveza com que as situações são apresentadas reflete uma maturidade artística rara em uma estreia.
Outro aspecto marcante é a estética do filme, que contribui para a imersão emocional do espectador. A câmera acompanha as personagens de forma próxima, quase intrusiva, destacando nuances de expressão e silêncios significativos. A trilha sonora discreta, mas evocativa, reforça a intimidade da narrativa, enquanto a direção de arte cria um ambiente que mistura o caos e a beleza do cotidiano, espelhando as contradições internas de Malu.
Em seu desfecho, Malu transcende a homenagem pessoal e se afirma como uma obra universal, que fala sobre a busca por sentido nas relações mais complexas e, muitas vezes, dolorosas.
Freire apresenta uma estreia que não apenas impressiona, mas emociona profundamente, revelando um cineasta com domínio absoluto de sua visão artística. Com sua honestidade brutal e humanidade tocante, o filme não apenas engrandece o cinema brasileiro, mas também convida o público a refletir sobre os próprios laços e histórias que definem nossas vidas.
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