O longa-metragem Meu Nome É Gal, em cartaz nos cinemas, tem um grande e inegável mérito: não cair na armadilha de tentar dar conta de uma personagem tão complexa e reticente, como Gal Gosta, em um filme apenas. Não é uma cinebiografia tradicional, “do berço ao túmulo”. A decisão de focar em um período específico da carreira da cantora baiana, compreendido entre 1966, quando ela chegou ao Rio de Janeiro da Bahia, e 1971, durante o espetáculo “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor,” é muito certeira.
Como o longa-metragem das cineastas Dandara Ferreira e Lô Politi foi realizado, em grande parte, quando Gal ainda estava viva, a narrativa não ganha um tom de endeusamento necrófilo, idealizador – talvez isso ocorra apenas nos créditos finais, em que é feita uma espécie de homenagem póstuma, com imagens de toda a sua carreira.
Meu Nome É Gal retrata a artista quando jovem, em formação, durante os anos loucos e exuberantes do tropicalismo, mas também plúmbeos da ditadura. Esses anos são cruciais não apenas para a evolução de Gal como artista. São determinantes para o Brasil, que vivia sob a sombra de um regime militar desde 1964. Nesse contexto de repressão política, as artes no Brasil floresciam de forma paradoxal, gerando música, teatro, literatura e cinema de maneira intensa e inovadora.
O filme acerta também ao retratar esse ambiente, uma vez que é fundamental para compreender a jornada de Gal Costa. Seus amigos e mentores próximos, Caetano Veloso e Gilberto Gil, foram presos e exilados devido à perseguição do regime. Esse curto período da vida de Gal, portanto, não apenas representa sua afirmação como artista, mas, sobretudo, seu rápido amadurecimento forçado em meio à turbulência política no Brasil.
Meu Nome É Gal destaca as diferentes abordagens de resistência à ditadura, seja a esquerda mais tradicional, nacionalista e confrontadora, ou o movimento da contracultura, representado pelo Tropicalismo, ao qual Gal se uniu, com sua abordagem mais internacionalista e focada nos costumes.
E a escolha por esse recorte, ainda que pudesse ser aprofundado, mais bem explicado do ponto de vista histórico, funciona, especialmente junto ao público mais jovem, para o qual essa Gal pré-estrelato, tropicalista, é mais tangível, inspiradora, rebelde. Torna o filme acessível e um possível sucesso de público em um momento em que a produção nacional tem atraído poucos espectadores aos cinemas.
‘Meu Nome é Gal’: Sophie Charlotte
A parte musical do filme, por sinal, é eficaz ao utilizar o repertório e a voz de Gal Costa para recriar os sucessos da época, caracterizada pela diversidade e inovação na Música Popular Brasileira.
Sophie Charlotte oferece no filme uma interpretação intensa de Gal Costa, matizada e introspectiva – vale dizer aqui que seu sotaque baiano por vezes soa um pouco artificial, o que é amplamente compensada pelo seu magnetismo em cena. A escolha de atores pouco conhecidos, e não necessariamente parecidos fisicamente com Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gilberto Gil funciona, embora apenas Caetano, vivido por Rodrigo Lélis, e sua mulher, Dedé Gadelha (Camila Márdila) tenham mais tridimensionalidade dramática.
Luis Lobianco, como o empresário dos tropicalistas Guilherme Araújo, brilha, trazendo ao filme não apenas alívio cômico – ele é muito engraçado. Também representa, estrategicamente, o olhar da indústria da música naquele momento tão chave na cultura brasileira.
A parte musical do filme, por sinal, é eficaz ao utilizar o repertório e a voz de Gal Costa para recriar os sucessos da época, caracterizada pela diversidade e inovação na Música Popular Brasileira. Ouve-se a voz de Sophie Charlotte, afinada e bonita, em alguns momentos, também, mas não em interpretações históricas, consagradas. É muito impactante a sequência na qual Gal defende “Divino Maravilhoso”, composição de Caetano e Gil, no 4º Festival de MPB da Record, em 1968. Nesse momento, a cantora assumia o papel de porta-voz do tropicalismo, em nome dos autores da canção, alvos da polícia política. Após a apresentação, Gal caiu em profunda depressão. Esse período foi de grande criatividade, misturando elementos nativos e estrangeiros, bom gosto e mau gosto, alto e baixo, refletindo o contexto político e cultural do país.
O filme, é preciso dizer aqui, apresenta falhas de anacronismo em trechos do enredo e diálogos que, por vezes, soam artificiais, fora do tom. Isso contrasta, de certa forma, com a postura provocativa e espontânea dos tropicalistas, que frequentemente desafiavam a linguagem como forma de protesto. Apesar dos esforços em contextualizar a narrativa, e eles estão lá, o filme não consegue transmitir o clima efervescente daquela época, mas, ainda assim, ele ressoa, emociona.
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