Quando se fala das grandes vozes femininas da música brasileira (e são tantas), é impossível não citá-la: Maria da Graça Costa Penna Burgos, apelidada de “Gal” pelo produtor musical e figura chave no movimento Tropicalista, Guilherme Araújo, é reconhecidamente a principal figura feminina que participou do movimento.
Para além disso, Gal Costa consagrou seu nome na história da MPB e será sempre lembrada como dona de um dos melhores timbres de nossa música. Sua voz era capaz de soar doce e suave cantando os mais simples dos sambas, ao mesmo tempo que podia extravasar toda energia do rock’n’roll do final dos anos 60 nas canções da fase mais experimental de sua carreira.
Nascida em Salvador no ano de 1945, foi ainda na adolescência que Gal conheceu Gilberto Gil, Maria Bethânia e Caetano Veloso, parceiros que estiveram juntos dela no início de sua trajetória em meados dos anos 60, quando essa turma de baianos veio tentar a sorte no Rio de Janeiro. Fã da bossa nova de João Gilberto, Gal lançou seu primeiro trabalho, Domingo, no ano de 1967 em parceria com Caetano Veloso.
O álbum tem uma pegada bastante clara de samba e bossa nova em suas canções, cujos vocais foram divididos entre ela e Caetano. Com o disco de estreia, Gal Costa deu mostras do talento que tinha como intérprete. No entanto, a exploração de todo seu potencial e sua “explosão vocal” ocorreram depois, quando passou a cantar de maneira mais expansiva em músicas que transitavam por diferentes ritmos.
Essa “expansão” veio nos álbuns seguintes, Gal Costa e Gal, ambos de 1969, onde a cantora baiana, já em carreira “solo”, sem ter Caetano creditado como parceiro, canta de tudo um pouco. Se no primeiro ela ainda mantém os pés no samba e na bossa nova, mas já com arranjos mais bem trabalhados, em Gal o que vemos é uma linguagem mais experimental onde o rock psicodélico aparece com bastante impacto.
Influenciada por nomes como Jimi Hendrix, Beatles e, principalmente, Janis Joplin, Gal mostra ao mundo toda sua versatilidade e potência vocal num impactante trabalho em que canta, em meio a marcantes solos e acordes de guitarra, composições de Gil, Caetano, Jorge Ben e Roberto e Erasmo Carlos.
Gal Costa canta com maestria tudo o que lhe vem na mão, ou melhor, na voz.
Com estes lançamentos na virada dos anos 60 para os 70, Gal Costa se libertou do rótulo de cantora de bossa nova e surpreendeu o público com sua versatilidade. Antes fã devota do estilo “joão-gilbertista”, suas músicas transcenderam a barreira do samba e dos ritmos exclusivamente brasileiros.
Com a Tropicália tendo em Gal sua principal figura no país no período em que Gil e Caetano estavam exilados em Londres, sua música dialogou com diversas influências, mais notadamente o rock’n’roll do cenário anglo-americano.
Diferente de Elis Regina (outra grande voz feminina a fazer sucesso na época), que demorou um pouco mais para explorar outros ritmos, Gal captou a profundidade do movimento Tropicalista e soube se modernizar, não ficando restrita às características do primeiro disco.
A consagração definitiva como grande voz da MPB veio com o Legal, de 1970, disco que contém a icônica “London London”, de Caetano Veloso, e, principalmente, com o espetáculo teatral Fa-Tal, Gal a Todo Vapor. Sob a batuta de Waly Salomão, Gal a Todo Vapor foi uma série de apresentações da cantora no teatro Tereza Raquel, no Rio de Janeiro, realizada em 1971. Sucesso de crítica e público, o espetáculo, que deu origem ao álbum duplo de mesmo nome, uniu performances tanto de sambas numa atmosfera de voz e violão, quanto de canções mais bem trabalhadas com a presença de guitarras elétricas.
A partir daí, a cantora já teria seu nome reservado entre os grandes da música brasileira. Sempre certeira, Gal Costa manteve lançamentos bem sucedidos comercialmente como Índia (1973), Cantar (1974) e Caras e Bocas (1976). Se no primeiro é visível uma volta às raízes com bastante bossa nova numa temática mais intimista e distante da efervescência Tropicalista, os outros dois apontavam para horizontes mais variados de ritmos e arranjos.
Gal foi se sofisticando, amadurecendo, absorvendo influências e dialogando com o pop. Com uma média de lançamento de quase um álbum por ano, ela adentra outros projetos, como Doces Bárbaros (1976), trabalho ao lado dos amigos de sempre: Gil, Caetano e Bethânia; regrava Caymmi; Ary Barroso; Tom Jobim e até mesmo algumas canções dos Beatles. Faz trilhas para novelas e espetáculos teatrais. Com a qualidade de sempre e seu infalível vocal, Gal Costa virou referência em nossa música como uma das cantoras com mais sólidas carreiras.
Samba, bossa nova, Tropicalismo, ou rock’n’roll. Gal Costa canta com maestria tudo o que lhe vem na mão, ou melhor, na voz. E sua voz, seja com 22 ou 72, é doce, é bárbara, é fatal, é estratosférica. É Gal.
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