O escritor britânico E.M. Forster (1879-1970), autor de clássicos como Uma Janela para o Amor, Passagem para a Índia e Maurice, era gay e, segundo seus biógrafos, manteve um relacionamento amoroso por quatro décadas com um policial mais jovem do que ele. Esse homem era casado e, segundo consta, sua esposa sabia de tudo.
Em My Policeman, longa-metragem que acaba de estrear na plataforma de streaming Prime Video, essa premissa, que desafiou os rígidos códigos morais da época, é redesenhada sob a forma de um envolvente, ainda que imperfeito, melodrama narrado em dois tempos.
O filme tem início quando, na década de 1980, Patrick (Rupert Everett, de O Casamento de Meu Melhor Amigo), inválido após sofrer um derrame severo, é entregue aos cuidados de Marion (Gina McKee, de Um Lugar Chamado Notting Hill), professora primária que vive com o marido, Tom (Linus Roache, de O Padre) em uma casa à beira-mar na cidade de Brighton, litoral da Inglaterra.
A chegada de Patrick causa desassossego ao casal. Tom se recusa a ver o doente, que enxerga como um intruso. Marion argumenta que, se não receberem o doente em casa, ele possivelmente terminará seus dias em um abrigo estatal para inválidos. Percebe-se que o trio compartilha um passado em comum.
A narrativa paralela de My Policeman se desenrola no fim da década de 1950, na mesma cidade litorânea. Marion (Emma Corrin, a princesa Diana da série The Crown), então uma jovem romântica que sonha viver um grande amor, conhece o jovem policial Tom, rapaz simplório, sensível, vivido por Harry Styles, um dos grandes astros pop da atualidade.
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Ainda que Tom nada entenda de música ou de arte, áreas de interesse de Marion, ela se apaixona pelo jeito meigo e atencioso do policial, ainda que o namoro demore para engrenar no plano físico. Tudo muda na rotina dos dois quando conhecem Patrick (David Dawson), em um museu de arte da cidade, onde o jovem, bastante culto, trabalha.
Talvez o maior problema de My Policeman é o fato de que, mais do que em torno de Tom, o personagem-título, a trama é impactada pela imensa celebridade de seu jovem astro, Harry Styles.
Os três passam a fazer tudo juntos. Vão a exposições, a recitais de música, à ópera, e surge entre eles um clima de encantamento triangular. De certa forma, Marion encontra em Patrick a interlocução ausente em seu relacionamento com Tom. O que ela não sabe, nem nós, até aquele ponto, é que os dois já se conhecem e são amantes há algum tempo.
Sob a direção do britânico Michael Grandage (de Mestre dos Gênios), My Policeman, baseado em romance homônimo, por sua vez inspirado livremente na vida de E. M. Forster, é, ao mesmo tempo, uma história de amor, desamor e medo.
Marion e Patrick amam Harry, um jovem da classe trabalhadora inglesa que se descobre gay, mas não se permite viver plenamente o que sente, em um momento no qual a homossexualidade ainda é considerada crime no Reino Unido. Ele acredita que será feliz se casando com Emma e constituindo uma família, mas não consegue fugir do que sente por Patrick. Opta, assim, por uma vida dupla, que acaba se desmantelando de forma trágica.
É interessante a forma como o roteiro nos apresenta primeiro a versão de Marion, para depois conhecermos a de Tom. São duas perspectivas sobre uma relação que, se não chega a ser uma farsa, é construída em torno de uma mentira, da qual Marion, mas também Tom e Patrick, são vítimas.

O reencontro desses personagens, tão belos e vivos quando jovens e agora à beira da velhice, é marcado pelo arrependimento de todas as partes envolvidas. Ninguém foi feliz por conta de uma moral tão rígida, de um Estado tão implacável, que os impediu de se libertarem. São atados um ao outro pelo passado, por tabus.
Talvez o maior problema de My Policeman é o fato de que, mais do que em torno de Tom, o personagem-título do filme, a trama é impactada pela imensa celebridade de seu jovem astro, Harry Styles, que não chega a ser um mau ator, pelo contrário, mas (ainda) não dá conta da imensa complexidade de seu personagem, atormentado por sua identidade sexual, mas também por ser agente das mesmas lei e ordem que perseguem pessoas como ele.
O longa-metragem, que por vezes carrega demais nas cores dramáticas, ainda assim é corajoso porque lida com uma temática que segue assombrando. Mesmo hoje, em pleno século 21, há muitos que ainda vivem vidas duplas, sustentadas por mentiras, em nome da busca por uma conformidade que drena a vida e condena a uma existência nas sombras. Nesse aspecto, o filme é dolorosamente atual.
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