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‘O Agente Secreto’ expõe o Brasil de ontem e hoje

No genial 'O Agente Secreto', Kleber Mendonça Filho transforma o Brasil de 1977 — e o de agora — em espelho e ferida, num filme que consagra Wagner Moura e reafirma a força do cinema brasileiro contemporâneo.

porPaulo Camargo
28 de outubro de 2025
em Cinema
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Atuação em 'O Agente Secreto' consagra Wagner Moura. Imagem: CinemaScópio Produções / Divulgação.

Atuação em 'O Agente Secreto' consagra Wagner Moura. Imagem: CinemaScópio Produções / Divulgação.

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Em O Agente Secreto, Kleber Mendonça Filho volta a filmar o Brasil com o olhar de quem conhece profundamente suas fendas e contradições. Desde O Som ao Redor, passando por Aquarius e Bacurau, o cineasta pernambucano construiu uma obra coerente e singular, que combina observação social, rigor estético e uma sensibilidade que se move entre o afeto e a raiva. Seu novo longa, vencedor dos prêmios de melhor direção e melhor ator (para Wagner Moura) no Festival de Cannes 2025, leva esse projeto a um novo patamar: o de uma maturidade artística em que a crítica e a ternura se equilibram, como se o gesto político e o poético finalmente se encontrassem.

A ação se passa em 1977, ano em que o país vivia o ocaso da ditadura militar, ainda envolto em censura e medo. Mas Mendonça não se interessa pelo retrato direto da repressão — ele prefere o que escapa, o que se infiltra. O horror que filma é o da normalidade. Um dos primeiros planos, de uma violência quase metafórica, mostra um cadáver abandonado num posto de gasolina. Ninguém parece se importar com o corpo que apodrece ao sol. A indiferença, como forma de sobrevivência, é a imagem de um país que se acostumou ao absurdo.

O protagonista, Marcelo, vivido por Wagner Moura, retorna a Recife depois de anos de exílio forçado. Tenta se reconectar ao filho, esconder seu passado, refazer-se. É um homem em suspensão, cercado de sombras e ruínas. Moura o interpreta com uma contenção que impressiona: cada gesto carrega uma história não contada, cada olhar parece carregar o peso de uma culpa coletiva. Sua presença em cena — tensa, quase silenciosa — sustenta um filme em que o político se manifesta pelo íntimo, e o drama público pelo gesto miúdo.

A narrativa avança num ritmo que é o oposto da urgência contemporânea. Kleber deixa o tempo escorrer, como quem observa uma cidade antiga desmoronando com dignidade. O edifício Ofir, onde Marcelo se esconde, é o microcosmo dessa ruína: abrigo e prisão, metáfora de um país que se mantém de pé apesar dos desabamentos morais. Os vizinhos — mulheres em fuga, migrantes africanos, trabalhadores precarizados — compõem um painel humano que expande o filme para além da história individual. É o povo que resiste, mesmo quando tudo parece ruir.

A direção de arte de Thales Junqueira e a fotografia de Evgenia Alexandrova criam um universo que oscila entre o real e o onírico. Nada em O Agente Secreto é apenas cenário. Cada objeto — uma vitrola, uma janela, um letreiro luminoso — carrega uma memória. É como se o passado não fosse apenas lembrado, mas materializado. O filme não quer reconstituir 1977; quer imaginar como aquele tempo ainda vive em nós.

Essa abordagem torna o longa mais um ensaio do que uma narrativa tradicional. Kleber se permite a divagação, a digressão, a contemplação de detalhes aparentemente banais. Há humor, melancolia e até momentos de absurdo. Um apresentador de televisão caricatural, um baile de carnaval que se transforma em cena de horror, um discurso político que parece ecoar as fake news de hoje — tudo serve ao propósito maior do filme: revelar o quanto o país muda de figurino, mas repete o enredo.

O letreiro inicial fala de um Brasil “cheio de pirraça”, e é difícil pensar em definição mais precisa. Há algo de infantil e perverso nessa nação que insiste em brincar à beira do abismo. Kleber compreende esse traço com uma ironia afetuosa. Ele não condena seus personagens: observa-os. Seu cinema nasce desse olhar que enxerga o grotesco e o trágico sem perder de vista o humano.

É também um filme sobre a herança. Sobre o que os pais transmitem aos filhos — e o que o país transmite aos seus. A relação entre Marcelo e o menino, filmada com doçura e discrição, é o centro afetivo da narrativa. Ali, a memória deixa de ser apenas política e se torna emocional. É como se Kleber dissesse que resistir, no fim das contas, é preservar a possibilidade do afeto.

Formalmente, O Agente Secreto reafirma a vocação de Kleber para o cinema como experiência sensorial. O som, elemento recorrente em sua filmografia, aqui ganha nova dimensão. Rádios, vozes distantes, ruídos metálicos — o país se faz ouvir como uma presença fantasmática. A trilha, de caráter quase espectral, mistura música popular e sons ambientais, criando uma textura que aproxima o filme do sonho  — ou do pesadelo.

Formalmente, O Agente Secreto reafirma a vocação de Kleber para o cinema como experiência sensorial. O som, elemento recorrente em sua filmografia, aqui ganha nova dimensão. Rádios, vozes distantes, ruídos metálicos — o país se faz ouvir como uma presença fantasmática.

Mas, apesar da sofisticação estética, o que mais impressiona é a coerência ética. Kleber não romantiza o passado, nem o reduz a uma tese. Ele o revisita como quem abre uma ferida antiga e, ao mesmo tempo, como quem tenta compreendê-la. A ditadura, aqui, não é cenário: é estado de espírito. O medo, o disfarce, a omissão — tudo isso se atualiza. O Brasil de 1977 é também o Brasil de 2025.

Por isso O Agente Secreto repercute tanto fora do país. Depois da consagração em Cannes, o filme já é cotado para o Oscar em múltiplas categorias, incluindo filme, filme internacional, direção e ator. Há algo de universal em sua parábola sobre as formas de violência e esquecimento, mas há também algo profundamente nosso. O filme fala de uma nação que ainda se disfarça, que aprendeu a rir das próprias tragédias e a mascarar o que não quer encarar.

Ao fim, o espectador deixa a sala com a sensação de ter atravessado um espelho. Um espelho turvo, feito de lembranças e fantasmas, mas ainda assim um espelho. É essa a grandeza do cinema de Kleber Mendonça Filho: devolver-nos, em forma de ficção, o que insistimos em negar na vida real. O Agente Secreto não oferece consolo, mas oferece clareza — e, talvez, um pouco de esperança.

Porque há ternura, apesar de tudo. E, num país que aprendeu a disfarçar a dor com ironia, a ternura é um ato político.

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Tags: Cinema BrasileiroCrítica de CinemaKléber Mendonça FilhoO Agente SecretoWagner Moura

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