Uma das sequências iniciais e mais emblemáticas, de O Traidor, magnífico filme de Marco Bellocchio (de Vincere), em cartaz nos cinemas brasileiros, evoca o clássico O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola. Em montagem paralela, veem-se na tela os assassinatos de integrantes da organização criminosa Cosa Nostra, na Sicília, enquanto assistimos, também, a um batizado numa mansão no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro. Sacro e profano se alternam dialeticamente, mas também como faces de uma mesma moeda.
Ao contrário de Coppola, Bellocchio não pretende romantizar, ou espetacularizar, a máfia por meio de uma obra de ficção. O cineasta, um dos maiores diretores vivos da Itália, tece uma obra política, um retrato crítico do jogo de forças em seu país, a partir de fatos reais, narrados em detalhes.
No centro da narrativa, está Tommaso Buscetta, o mais notório dos pentiti, ou arrependidos, que, nas décadas de 1980 e 90, colaboraram com a Justiça italiana, delatando os seus companheiros de crime.
O filme, coprodução da Itália com o Brasil, por aqui sob o encargo pela paulista Gullane Filmes, se ocupa de um caso que, em 1980, se tornou muito conhecido entre nós. No Brasil, Buscetta encontrou refúgio, casou-se e acabou preso, torturado e extraditado, ainda durante o período da ditadura militar brasileira.
O Traidor também retrata essa sua passagem e o casamento com Cristina, vivida pela atriz londrinense Maria Fernanda Cândido, que atualmente pode ser vista em outra produção internacional, Animais Fantásticos: O Segredo de Dumbledore, de Peter Yates.
O filme, coprodução da Itália com o Brasil, por aqui sob o encargo pela paulista Gullane Filmes, se ocupa de um caso que, em 1980, se tornou muito conhecido entre nós.
Em uma grande interpretação de Pierfrancesco Favino, vencedor do prêmio David di Donatello (o Oscar italiano) de melhor ator, Buscetta é retratado de forma complexa por Bellocchio, que foge do maniqueísmo.
O diretor nos convida a mergulhar na subjetividade de seu protagonista, para compreenderemos por que ele decidiu delatar seus antigos comparsas. Pode ter sido por vingança, afinal dois de seus filhos foram mortos pela organização com requintes de crueldade.
Ou por desencanto com a máfia, que, para Buscetta, teria tomado rumos incoerentes com suas raízes, às quais ele era muito fiel. Por fim, a decisão também pode ter sido um ato de pura conveniência vaidosa de Tomazzino, para contar com a proteção da Justiça, a despeito de passar a ser visto como traidor pelos seus conterrâneos.
Bellocchio não tem pressa em sua investigação. O filme, que procura ser fiel aos fatos, reconstituindo em minúcias todo o processo, tem momentos brilhantes. Entre eles, as longas cenas de julgamento e os encontros entre Buscetta e o juiz Giovanni Falcone (Fausto Russo Alesi), de quem ele se torna muito próximo e com quem firma o acordo para se tornar um informante.
Buscetta confidencia ao juiz que sua motivação teria a ver com as mudanças nos códigos de conduta da Cosa Nostra, que havia se apoderado do tráfico de heroína e ficado muito mais violenta em suas ações, passando a matar mulheres e crianças. Paira no ar, contudo, sempre uma dúvida sobre as reais intenções de Buscetta. Nessa incerteza, reside um dos maiores fascínios do filme.
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