Banshee, em inglês, significa demônio do mal. Essa informação, talvez, seja uma chave importante para discutir Os Banshees de Inisherin, longa-metragem escrito e dirigido pelo cineasta londrino Martin McDonagh (de Três Anúncios para um Crime), que estreia nesta semana no Brasil.
A trama se passa em uma pequena ilha na costa da Irlanda, que, à distância, acompanha a guerra civil entre católicos (republicanos e independentistas) e protestantes, que defendem não apenas religião, mas, sobretudo, a soberania da Grã-Bretanha, uma monarquia parlamentar, sobre o território insular irlandês.
O isolamento de Inisherin, contudo, de certa forma protege seus habitantes, que vivem numa espécie de dimensão paralela, desses males geopolíticos. Mas não de outros. E o principal deles é a solidão, pautada por uma rotina que nunca parece se alterar e estar fadada à repetição eterna. Trabalho, casa, igreja, bar.
Todos os planos parecem ter sua razão de ser, meticulosamente pensados e associados a uma direção de fotografia e a um desenho de produção primorosos.
A ruptura vem quando Colm (Brendan Gleeson), homem solitário, de meia idade, que vive apenas em companhia de seu cachorro, toma uma decisão tão definitiva quanto polêmica: deixar de falar com Pádrick (Colin Farell), sujeito pacato, pequeno proprietário de vacas leiteiras. Os dois bebem e conversam há anos no único pub local mais por inércia do que por amizade.
Ao perceber a vida escorrer-lhe por entre os dedos, Colm quer usar melhor seu tempo, dedicando-se à música, à composição. Conclui que o tempo ao lado de Pádrick, que ele considera monótono e aborrecido, é desperdiçado, suas conversas são vazias e opta pelo afastamento radical. Trata-se de um relacionamento frágil, pautado pelo comodismo, justifica ele.
Assemelhado ao Cândido, personagem ingênuo, desprovido de maldade, na sátira criada pelo escritor e filósofo iluminista francês Voltaire, Pádrick não se conforma com o afastamento de Colm. Inicia-se, desse impasse, um conflito, que terá desdobramentos inusitados e potencialmente trágicos – Colm promete cortar um de seus dedos cada vez que o ex-amigo tentar se aproximar.
Seriam os tais demônios, os banshees que dão título ao filme, entrando em ação para quebrar a aparente paz (ou seria pasmaceira?) de Inisherin? Corrobora essa tese a algo sinistra figura da velha sra. McCormack (Sheila Filton), misto de bruxa e oráculo da ilha, que preconiza a chegada de maus ventos à localidade.
McDonagh cria um roteiro perfeito, redondo, que também funcionaria como um texto teatral, pela qualidade dos diálogos e pela complexidade dos personagens, mas se materializa na tela como ótimo cinema. Todos os planos parecem ter sua razão de ser, meticulosamente pensados e associados a uma direção de fotografia e a um desenho de produção primorosos. O ponto alto do filme, no entanto, é o elenco, afinadíssimo.
Além de Farell e Gleeson, que já haviam atuado juntos no ótimo Na Mira do Chefe, também de McDonagh, também brilham Kerry Condon (de Três Anúncios para um Crime), como Siobhan, a irmã sensível de Pádrick, que ama os livros e sonha voar para longe de Inisherin; e o prodígio Barry Keoghan (de O Sacrifício do Cervo Sagrado), no papel de Dominic, filho do único policial do vilarejo, um homem abusivo que hostiliza o garoto, com evidentes problemas mentais. Todos esses quatro atores excepcionais estão na disputa do Oscar.
Os Banshees de Inisherin concorre a nove estatuetas: melhor filme, direção, roteiro original, ator (Farell, melhor ator no Festival de Veneza), ator coadjuvante (Gleeson e Keoghan), atriz coadjuvante (Keoghan), trilha sonora original e montagem.
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