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‘Paris, Texas’ é road movie da alma e do silêncio

Quarenta anos após vencer a Palma de Ouro, o clássico de Wim Wenders 'Paris, Texas' mantém intacta sua melancolia, unindo paisagens desérticas, trilha inesquecível de Ry Cooder e uma dolorosa reflexão sobre culpa, amor e reconciliação impossível.

porPaulo Camargo
24 de setembro de 2025
em Cinema
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Nastassja Kinski interpretou Jane Henderson neste clássico de Wim Wenders. Imagem: Argos Filmes / Reprodução.

Nastassja Kinski interpretou Jane Henderson neste clássico de Wim Wenders. Imagem: Argos Filmes / Reprodução.

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Quatro décadas após sua estreia, Paris, Texas permanece como um daqueles filmes que parecem ganhar densidade com o tempo. Vencedor da Palma de Ouro em 1984, o longa de Wim Wenders é, ao mesmo tempo, um olhar estrangeiro sobre os Estados Unidos e uma meditação universal sobre perda, amor e reconciliação impossível. Revê-lo hoje é como atravessar um deserto emocional: cada detalhe ressoa, cada silêncio carrega um peso que não se esgota.

A trilha de Ry Cooder, com sua guitarra slide que chora e estremece, tornou-se tão icônica quanto os temas de Ennio Morricone para os westerns de Sergio Leone. O som parece emanar da própria paisagem: a vastidão árida do Texas, onde o calor vibra no ar e o horizonte nunca se aproxima. Essa música é, também, o retrato íntimo de Travis, protagonista vivido por Harry Dean Stanton. Aos 58 anos, depois de uma carreira marcada por coadjuvantes, Stanton encontrou aqui o papel de sua vida. Seu rosto sulcado, de beleza irregular e triste, é tão expressivo quanto qualquer diálogo.

O filme, que agora retorna aos cinemas em versão remasterizada em 4k, se abre com uma imagem inesquecível: Travis surge caminhando sozinho, um vulto miúdo sob o céu desmedido, terno amassado, gravata frouxa, um boné vermelho contrastando com a terra ressequida. Ele não fala, não explica. O silêncio inicial é uma declaração de intenções: Wenders quer que o espectador sinta o mistério antes de compreendê-lo. Quando finalmente é encontrado, o homem parece ter emergido de um sonho febril. É resgatado pelo irmão, Walt (Dean Stockwell, em interpretação delicada), que há quatro anos cuida do pequeno Hunter, filho de Travis com Jane (Nastassja Kinski). A mãe, como ele, desaparecera.

O que aconteceu nesse hiato é o motor secreto da narrativa. De início, Paris, Texas parece um filme de reencontro familiar. Walt e sua esposa, Anne (Aurore Clément), oferecem a Travis um lar provisório nos subúrbios de Los Angeles. Mas a convivência revela um homem ainda à deriva, assombrado por um passado que não verbaliza. A câmera de Wenders acompanha cada gesto com paciência quase documental, como se esperasse que o personagem se revelasse por conta própria. Há algo de hipnótico nesse ritmo: o espectador se vê absorvido pelo cotidiano silencioso, pelas refeições em família, pelos olhares trocados sem pressa.

Quando Travis decide levar Hunter em uma viagem para encontrar Jane, o filme se converte em road movie, gênero que Wenders conhece como poucos. O percurso pelas estradas americanas, entre motéis de néon e paisagens desoladas, é mais do que geográfico: é a travessia de um homem em busca de redenção. Os motéis, com seus letreiros prometendo “ar-condicionado” e “TV a cores”, são fotografados com um carinho melancólico. Wenders e o co-roteirista Sam Shepard os resgatam da aura de horror herdada de Psicose e os transformam em ícones de um país que vive de deslocamentos e ilusões.

Há cenas que permanecem na memória como pequenos poemas visuais. Em uma delas, Travis caminha por uma passarela de rodovia enquanto uma voz masculina grita algo ininteligível. Parece rádio, mas é um homem em surto, berrando para o tráfego. Travis, imperturbável, passa por ele e lhe dá um tapinha no ombro. O gesto é mínimo, mas diz muito sobre a serenidade adquirida na dor — ou talvez sobre a distância emocional em que ele ainda se encontra.

Há cenas que permanecem na memória como pequenos poemas visuais.

A chegada a Houston conduz ao núcleo dramático do filme: o reencontro com Jane. Wenders ambienta esse clímax em um peep show que é ao mesmo tempo sórdido e onírico, quase um cenário de David Lynch. Jane trabalha ali, protegida por um vidro espelhado que permite a visão de fora para dentro, mas não o contrário. É nesse espaço que ocorre uma das mais extraordinárias cenas de intimidade do cinema. Travis inicia um longo monólogo, contando a história de um casal que poderia ser de qualquer um — mas é a deles. Do outro lado, Jane reage em silêncio. A câmera observa os mínimos movimentos de seu rosto: primeiro curiosidade, depois espanto, enfim devastação. Em poucos minutos, Nastassja Kinski traduz uma trajetória emocional inteira.

Essa sequência é a chave do filme. Ali, o peep show deixa de ser um ambiente de voyeurismo para se tornar metáfora de alienação. Travis e Jane se veem, mas continuam separados por um vidro — barreira física e simbólica. O que se diz ali não é pedido de perdão, mas reconhecimento de uma ferida que não cicatriza. O que virá depois, Wenders deixa em aberto. Sabe-se que diferentes finais foram cogitados, e a escolha definitiva preserva o mistério. Há alívio, sim, principalmente no destino de Jane, mas não há reparação completa. O desfecho é como o deserto que abre o filme: imenso, belo e inalcançável.

Além do drama íntimo, Paris, Texas é um retrato oblíquo de um país. Wenders, alemão apaixonado pela cultura americana, filma com olhar de estrangeiro: fascinado e crítico. Os outdoors que Walt projeta para viver — um deles com o rosto distorcido de Barbra Streisand, ecoando o famoso crânio anamórfico de Holbein — funcionam como comentário visual sobre uma América de imagens grandiosas e realidades desiguais. O filme é feito de contrastes: a imensidão do Texas e a banalidade dos subúrbios; o calor do deserto e a frieza do vidro no peep show; a ideia romântica de recomeço e a impossibilidade de apagar o passado.

Rever Paris, Texas hoje é reencontrar um cinema que confia no poder do tempo, do silêncio, da paisagem. Um cinema que não explica em excesso, mas convida o espectador a compartilhar a viagem. Talvez por isso ele não envelheça. A melancolia que atravessa cada plano, o modo como o filme lida com culpa e reconciliação, continuam a falar de nós — de perdas que jamais se resolvem, de amores que persistem mesmo quando a estrada parece infinita.

Ao final, quando Travis desaparece novamente, deixando Hunter nos braços de Jane, temos a sensação de que a vida é feita de encontros breves, destinos que se cruzam e depois se afastam, como carros que se perdem no horizonte. Paris, Texas é, acima de tudo, esse instante suspenso: um road movie da alma, em que cada quilômetro percorrido revela não um destino, mas uma pergunta que ecoa para sempre.

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Tags: Crítica de CinemaHarry Dean StantonNastassja KinskiParis TexasWim Wenders

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