A masculinidade atravessa uma de suas crises mais severas nesta terceira década do século 21. Talvez porque o patriarcado, embora siga ditando regras mundo afora, e cometendo suas barbaridades, hoje se confronta com o fortalecimento dos feminismos e com a busca por outras masculinidades possíveis, mais matizadas e menos hegemônicas, falocráticas.
Nesse cenário, a discussão da paternidade, do que é ser pai, e filho, na contemporaneidade, passa, inevitavelmente, por uma revisão desses papéis.
Exibido na mostra competitiva da 11ª edição do festival Olhar de Cinema, o longa-metragem Paterno, do cineasta brasiliense-pernambucano Marcelo Lordello (de Vigias e Eles Voltam), é, de certa maneira, exemplar nesse sentido. Ao mesmo tempo universal e profundamente brasileiro.
No centro da trama, muito bem construída, está o arquiteto Sérgio (Marco Ricca, excelente), ao mesmo tempo filho e pai. No auge do que se costuma chamar no capitalismo de “idade produtiva”, na casa dos 50 anos, o personagem é hoje quem dá as cartas na empresa de sua família, envolvida num intrincado processo de incorporação imobiliária de uma área popular no bairro de Brasília Teimosa, em Recife. Sim, o filme perpassa a discussão da luta de classes.
Ao mesmo tempo em que o personagem representa todo um legado empresarial e, é claro, político, herdado do pai, hoje idoso e morimbundo (estamos diante aqui de uma metáfora tchekoviana sobre a decadente ordem social oligárquica), o personagem tenta ser uma referência para o filho adolescente, “quase homem” (Gustavo Patriota).
No centro da trama, muito bem construída, está o arquiteto Sérgio (Marco Ricca, excelente), ao mesmo tempo filho e pai.
Em uma dobra entre duas gerações, a do pai, com todas as suas certezas de poder empedernidas, e a do filho, fluida, bem menos monolítica, Sérgio é a encarnação da crise masculina. O personagem se percebe desconectado de si e desse mundo em transformação.
Se por um lado, ele tem certeza de que não há mais espaço para o que veio antes, que está morrendo com seu pai, Sérgio não encontra em si força, e valores genuínos, que o possibilitem uma conexão sólida, verdadeira, com o futuro que ele enxerga no filho.
Ao mesmo tempo tradicional e progressista, arcaica em seus valores que datam de um Brasil colonial, e ousada, em sua busca pela vanguarda, pelo contemporâneo, Recife se torna o cenário perfeito para esse embate identitário que se deflagra no protagonista de Paterno, no qual há visíveis ecos de filmes como O Som ao Redor e Aquarius, de Kléber Mendonça Filho, e O Invasor, de Beto Brant. Filmão.
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