O esperado filme Pavements, em exibição na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foge das adequações limitadas por um único gênero. Por um lado, a obra dirigida por Alex Ross Perry é uma cinebiografia do Pavement, banda indie cult que surgiu nos anos 1990 e continua engajando um séquito de fãs até hoje. Tem ares de documentário, com muitas cenas de arquivo da banda, mas também mete os dois pés na ficção.
A tela inicial do longa já deixa claro: a ideia não é fazer sentido. Mas, para a alegria dos tantos admiradores do Pavement, o filme tem uma lógica e configura como uma grande celebração musical sobre a importância desse grupo que, para tanta gente, representou (e representa) uma turma divertida e debochada à qual podemos fazer parte. Um entrevistado descreve bem: “para a galera que achava que tudo era estúpido e sem graça, o Pavement era A banda”.
A tela inicial do longa já deixa claro: a ideia não é fazer sentido.
Nascido em 1989 em Stockton Califórnia, o grupo foi um projeto iniciado pelos amigos de infância Stephen Malkmus e Scott Kannberg (apelidado de Spiral Stairs). Era uma época em que o grunge despontava como o estilo do momento, com suas guitarras pesadas e temas idem.
Na contramão, o Pavement aparece como um pioneiro do slacker rock, termo que designa um estilo mais descontraído e relaxado, sem se levar a sério demais. As letras de Malkmus – com direito a versos como “you’ve been chosen as an extra in the movie adaptation of the sequel to your life”, e tiração de sarro com outros músicos, como “What about the voice of Geddy Lee/ How did it get so high?/ I wonder if he speaks like an ordinary guy?” – evidenciavam que o deboche sempre foi uma regra para eles.
Essa chave irônica está presente o tempo todo em Pavements. Aparece, por exemplo, nas tantas vezes que aparece na tela que a banda era, nos anos 1990, “a mais importante e influente do mundo”. Uma piada, é claro.
‘Pavement’: um filme dentro do filme
Há três narrativas que correm dentro de Pavements. Uma é a própria história da banda, contada por meio de vídeos de arquivo (muitos, e deliciosos) e pela perspectiva dos tantos fãs, que se declaram o tempo todo sobre a importância do grupo liderado por Stephen Malkmus em suas vidas. Para quem acha que é pouca coisa, vale dizer que o filme mostra uma exposição chamada Pavements 1933-2022: A Pavement Museum, lançada em 2022 e que passou por Stockton, Londres, Nova York e Tóquio. Entre as relíquias exibidas, estão as roupas sujas que os músicos vestiam no Lollapalooza de 1995, quando saíram do palco após o público atacá-los com lama e uma unha cortada do antigo baterista Gary Young.
A segunda é um musical chamado Slanted! Enchanted!, que está sendo ensaiado pelo próprio Alex Ross Perry com atores e atrizes que também são fãs empolgados do grupo. Por último, há a produção de um novo filme chamado Range Life, com Joe Keery (estrela de Stranger Things) como Stephen Malkmus e Jason Schwartzman vivendo o empresário da banda.
O musical e a exposição realmente existiram, mas o filme é totalmente ficcional, e dá margem a cenas hilárias, como a obsessão de Joe Keery no preparo para entrar no personagem – o que inclui a ideia de fotografar a língua de Malkmus para conseguir reproduzir melhor o seu sotaque. Nessa terceira peça, a história do Pavement ganha ares de drama, contando histórias (reais) sobre como eles foram cobrados vários vezes de se venderem ao estabilshment (eram indies, afinal, e fazer um grande sucesso é considerado um crime nesse meio).
É tudo muito original e familiar ao mesmo tempo. E é também fato que Pavements deve ser empolgante quase exclusivamente aos fãs da banda californiana. Mas, para os tantos de nós que fomos premiados com uma devoção por esse grupo, são duas horas emocionantes e engraçadas na companhia das músicas melodiosas eternizadas pelo Pavement. É impossível não ficar cantarolando o tempo todo.
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