Talvez a temática da especulação imobiliária e do uso da terra seja uma constante no cinema brasileiro, uma vez que está arraigada na nossa própria cultura. Depois do sucesso de Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho, e Castanha (2014), o diretor Davi Pretto deslocou a discussão do ambiente urbano para os pampas gaúchos em Rifle (2016).
É possível dizer que além da paisagem que o cerca, o próprio personagem principal, Dionne, também se insere no cenário de maneira camaleônica. Rifle teve sua estreia na 67ª Berlinale – Forun e já foi exibido em festivais como o de Brasília, o Grand Prize, em Jeonju, o FID Marseille, na França e o Olhar de Cinema, em Curitiba.
Todo o roteiro do filme é muito simples. Dionne é um jovem calado, reflexivo e errante, que nasceu em uma cidade próxima à fronteira com o Uruguai e acabou se instalando numa estância com uma família na região de Dom Pedrito. Certa tarde, é abordado por um homem de terno perguntando se poderia comprar o local e por quanto venderia. Ao notar o interesse nos olhos do rapaz, Dionne começa a perceber que talvez seu emprego no sítio estivesse ameaçado pela compra do imóvel – e é aí que sua trajetória muda de rumo.
O rifle que dá o nome ao filme é a única verdadeira companhia do jovem, que passa a perambular pelos pampas atirando em veículos como uma espécie de passatempo para conter sua raiva interna. É assim que o objeto passa a ser uma espécie de sensação de falsa segurança no universo completamente instável que rodeia Dionne, em toda a sua insegurança com a vida e com o rumo que tomou até ali. Ao longo do filme, não recebemos nenhuma indicação do que pode ter levado o jovem aquele estado, a não ser seus longos silêncios e seu olhar reflexivo e desgostoso em todas as situações.
O rifle que dá o nome ao filme é a única verdadeira companhia do jovem, que passa a perambular pelos pampas atirando em veículos como uma espécie de passatempo para conter sua raiva interna.
De fato, um dos grande méritos de Rifle é o de não menosprezar a capacidade de interpretação do espectador. Ao longo de todo o longa, podem ser criadas várias suposições, tanto pelo conteúdo imagético do filme, quanto pelos sons e pela expressão facial do personagem principal. Tudo isso em poucas palavras. Davi Pretto, talvez intencionalmente, cria um longa o qual quem assiste também tem papel crucial no filme. Fica a papel do espectador se colocar no lugar de Dionne para poder compreender um pouco do redemoinho que o leva a ter tais atitudes.
Esses grandes espaços silenciosos no longa podem muito bem o classificar como um “western gaúcho”, cuja a paisagem insólita e desidratada dos pampas é o que demarca o filme. Talvez uma tendência do cinema nacional, que em breve espera o próximo trabalho de Kleber Mendonça em Bacurau, no interior nordestino.
Rifle abre questões de suma importância com relação ao uso da terra e a especulação que sonda os pequenos proprietários, além da própria reflexividade do personagem principal que, diante destas questões, abriga no rifle seu mundo interior.
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