Duas opiniões muito contrastantes e, cada uma dentro de sua lógica interna, bem embasadas, sobre o impactante drama histórico Selma, indicado ao Oscar de melhor filme que reconstitui um episódio-chave na trajetória do líder negro Martin Luther King, protagonista na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Antecipo aqui que gosto bastante do longa-metragem da diretora Ava DuVernay.
A. O. Scott, crítico do jornal The New York Times, para quem o filme é “espantosamente rico e nuançado”, indaga: “Como capturar o caos, a incerteza e a imensa onda de fatos sem sacrificar a coerência? Como conferir a um episódio histórico relativamente conhecido do passado recente a urgência do tempo presente?”
Para Scott, “as respostas estão todas lá na tela. Mesmo que você imagine que sabe o que vai acontecer, Selma cintila com suspense e surpresas. Cheio de incidentes e de personagens fascinantes, o filme é um triunfo da narrativa cinematográfica eficiente e enfática.”
Como conferir a um episódio histórico relativamente conhecido do passado recente a urgência do tempo presente?
Já Inácio Araújo, respeitado crítico da Folha de São Paulo, tem uma visão bem distinta do norte-americano. Considera o filme “esquecível” e vê na pluralidade de focos elogiada por Scott um calcanhar de Aquiles. Afirma que a diretora “Ava DuVernay conduz esse drama frouxamente. Ora parece investir na épica implícita na luta dos negros nos anos 1960, ora parece recuar e, acompanhando os fatos, fixa-se na violência policial sulista. Ora focaliza o melodrama familiar, ora destaca a política.” Araújo conclui que “é possível que cada um desses aspectos faça sentido. No entanto, essa espécie de indecisão sobre que aspecto colocar em evidência tira ao filme toda a perspectiva que não meramente sentimental.”
Talvez por ser americano, e Selma tratar da história de seu país, Scott tem uma avaliação mais pessoal, menos distanciada, e parece ter sido particularmente tocado pela narrativa do longa, que entrelaça as dimensões pública e privada da vida de King (David Oyelowo, em grande desempenho), o que para mim é um trunfo. Araújo avalia o filme mais estruturalmente, e não parece ter gostado da escolha feita pela cineasta. Chega a escrever que “é pouco mais que um telefilme sobre um momento decisivo da luta dos negros dos EUA pela igualdade”.
O melhor, no fim das contas, é ver e chegar às suas próprias conclusões.
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