Costumo insistir que o Oscar é muito mais um megaevento em nome da indústria do que da arte, mas que, quando um trabalho recebe a indicação para concorrer ao prêmio na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, é bom o espectador prestar atenção. Um exemplo disso é Sr. Kaplan, que foi o representante do Uruguai na edição do prêmio em 2015. A produção uruguaia perdeu para o polonês Ida (2013), de Pawel Pawlikowski, mas tem em comum com o vencedor o enfoque do nazismo, ferida aberta da História sobre a qual o cinema adora colocar o dedo. E com razão. Ao contrário da densidade de Ida, no entanto, aqui a narrativa é recheada de humor.
O filme do diretor Álvaro Brechner lança sua atenção sobre o judeu Jacobo Kaplan (Héctor Noguera). Com mais de 70 anos, o protagonista está naquela fase da vida em que se sente deslocado, improdutivo, um símbolo ambulante da inutilidade. Já no início da narração ele faz mil reflexões sobre o que, de fato, realizou de importante em sua trajetória. O sentimento de impotência fica ainda mais doloroso quando Jacobo é considerado inapto para dirigir.
Com mais de 70 anos, o protagonista está naquela fase da vida em que se sente deslocado, improdutivo, um símbolo ambulante da inutilidade.
A chance de fazer algo grandioso para si e para a própria humanidade surge quando ele passa a investigar um alemão suspeito de matar judeus nos campos de concentração. Uma reportagem na TV sobre uma organização nazista infiltrada na América Latina “transforma” Jacobo em “detetive”. Ele, então, firma parceria com Wilson Contreras (Néstor Guzzini), ex-policial com problemas familiares e um passado marcado por caminhos tortos. O humor vem do fato de o espectador ser constantemente chamado a duvidar da competência da dupla para realizar tarefa tão exigente.
Assim está construída a base para uma história envolvente, cômica e emocionante que aborda três situações complementares. Uma delas é o embate entre judaísmo e nazismo; a outra é o debruçar-se sobre as angústias da velhice; e, por fim, a sinceridade da amizade entre dois homens feridos que, em meio a trapalhadas e momentos sinceros de companheirismo, encontram apoio para prosseguir acreditando na vida.
Costurando tudo isso, Sr. Kaplan mostra-se um filme respeitável, cheio de talento e digno de expor a sensibilidade da produção cinematográfica do Uruguai. É possível afirmar que este filme lembra Nebraska (2013), de Alexander Payne, e, mais timidamente, Amor (2012), de Michael Haneke. E isso é um grande elogio, considerando que essas duas produções são também respeitáveis, bastante competentes e ricas em suas propostas de abordar o tema da velhice.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.