O cineasta catalão J.A. Bayona, reconhecido por obras como O Orfanato, O Impossível e Jurassic World: Reino Ameaçado, os dois últimos já realizados em Hollywood, teve de fazer algumas importantes escolhas dramáticas e estéticas para abordar uma história única de sobrevivência, porém já amplamente conhecida, em A Sociedade da Neve. A trama envolve os jogadores de rúgbi uruguaios do time Old Christian, bem como alguns familiares e amigos, que estavam a bordo do avião que caiu na Cordilheira dos Andes em 13 de outubro de 1972. A produção está na disputa pelo Oscar em categorias como Melhor Filme Internacional, além de Cabelo e Maquiagem e pelo Goya, maior prêmio do cinema espanhol, em 13 categorias, incluindo Melhor Filme e Direção.
Para conquistar tanto novos espectadores quanto aqueles já familiarizados com essa história real, é quase imprescindível surpreender. Bayona, ao dirigir A Sociedade da Neve, construiu uma narrativa envolvente, que entrelaça as vozes dos sobreviventes com aquelas que não resistiram. Numa Turcatti (interpretado por Enzo Vogrincic), um dos jogadores que morreram nos Andes, assume o papel de narrador principal, proporcionando uma perspectiva única a essa narrativa coletiva.
O filme mergulha na cena impactante do acidente, capturando os sons da colisão e o rangido dos ossos quebrando, evitando clichês óbvios, mas mantendo-se fiel ao que foi visto em filmes como Vivos! (1993), dirigido por Frank Marshall, com Ethan Hawke interpretando Nando Parrado, ou Os Sobreviventes dos Andes (1976), do cubano-mexicano René Cordona. Embora filmado principalmente na Sierra Nevada, na Espanha, o filme não perde a autenticidade ao explorar a resistência de Nando (interpretado por Agustín Pardella), que se recusa a aceitar a morte, mesmo cercado por corpos congelados.
‘A Sociedade da Neve’: antropofagia
Um ponto de crítica adicional reside em certos momentos de excesso melodramático e inverossimilhança em diálogos, que, ao tentarem ser poéticos ou filosóficos, destoam do tom mais realista da narrativa, soando falsos, forçados.
Bayona aborda o delicado tema do canibalismo de forma não sensacionalista, explorando como os sobreviventes enfrentam a terrível necessidade de consumir carne humana para sobreviver. Isso suscita questões morais e religiosas entre os personagens, acrescentando camadas de complexidade à narrativa. À medida que os dias passam, o filme combina o desespero dos sobreviventes com cenas de ação que resultam em novas mortes, algumas causadas por avalanches enquanto buscam abrigo na fuselagem do voo 571 da Força Aérea Uruguaia.
A Sociedade da Neve se destaca ao criar uma ponte entre vivos e mortos por meio da sociedade forjada pela tragédia, apoiada por um personagem que sabe que vai morrer e autoriza o consumo de sua carne. No entanto, o filme, com suas duas horas e meia de duração, corre o risco de se tornar um tanto repetitivo, apesar de nunca ser enfadonho. Uma edição mais dinâmica poderia ter tornado a experiência mais palatável, evitando a repetição excessiva das mortes, que, ao invés de comover, podem ter o efeito contrário sobre alguns espectadores, as banalizando dentro da narrativa.
Um ponto de crítica adicional reside em certos momentos de excesso melodramático e inverossimilhança em diálogos, que, ao tentarem ser poéticos ou filosóficos, destoam do tom mais realista da narrativa, soando falsos, forçados.
A produção, embora tenha envolvido uma equipe reduzida filmando no local do acidente, principalmente nas montanhas, incluindo a Sierra Nevada na Espanha, a 2000 metros de altitude, proporciona uma experiência cinematográfica única, imersiva e envolvente. A forte campanha de promoção intensiva da Netflix, que o produziu, já rendeu indicações ao Globo de Ouro de Melhor Filme Internacional e Trilha Sonora.
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