Sete anos antes de Jonathan Demme filmar O Silêncio dos Inocentes, sua obra máxima, ele era um aspirante a cineasta alternativo muito fã de Talking Heads. E, um dia, o diretor resolveu procurar seu ídolo David Byrne com a proposta de produzir um filme de um show da banda. Byrne não sabia muito o que esperar, mas acabou topando a empreitada.
O resultado – conforme David Byrne revela em um vídeo gravado exclusivamente para os seus fãs brasileiros – é um registro mágico, que capta a energia do show de uma maneira em que nem a própria banda tinha noção da experiência que estava proporcionando. Esse talvez seja um bom resumo de Stop Making Sense, filme documentado por Jonathan Demme em quatro noites de apresentações do Talking Heads em dezembro de 1983, no Hollywood Pantages Theatre.
O show começa com David Byrne andando em círculos e por fim parando sozinho no meio do palco apenas com violão para tocar o hit máximo da banda, “Psycho Killer”. Tudo soa algo desencaixado – sensação fortalecida pela sua gestualidade forçosamente mecânica de Byrne, como se estivesse prestes a cair. Em seguida, em um belo jogo de cena, vem até os holofotes a bela baixista Tina Weymouth ao seu lado.
O resultado é um registro mágico, que capta a energia do show de uma maneira em que nem a própria banda tinha noção da experiência que estavam proporcionando.
O show então vai crescendo a cada música, com a presença dos outros músicos – o guitarrista Jerry Harrison o baterista Chris Frantz. Somam-se a eles, como se fossem novos capítulos que levam a um crescendo da narrativa musical, mais cinco artistas convidados: o tecladista Bernie Worrell, as backing vocals Lynn Mabry e Ednah Holt, o guitarrista Alex Weir e o percussionista Steve Escalas.
Os visitantes são todos músicos negros, e trazem o “tempero” de black e world music experimental que acabaram por tornar o Talking Heads uma banda de caráter único, difícil de ser encaixada em um gênero. Os músicos convidados ainda acentuam uma das partes mais legais de Stop Making Sense: o casamento entre a estranheza genial de David Byrne e seus asseclas com as batidas dançantes do funk.
Um cenário inteiramente escuro com painéis que projetam imagens são tudo o que Jonathan Demme para explorar aquilo que realmente importa: que aqueles músicos, por mais que sejam muito cultos (talking heads, vale lembrar, é um termo pejorativo que era usado para designar “programas de TV cabeça”), estão ali para cumprir a missão única de se divertirem – e, consequentemente, colocar todo mundo pra dançar.
Curiosamente, Demme toma uma decisão estética de mal mostrar a plateia do show: o público só aparece no final. Mas faz sentido. Ao assistir ao filme na tela grande (uma oportunidade única proporcionada pela produtora A24, que restaurou a obra e a lançou nos cinemas) tem-se uma chance incrível de se sentir transportado para 1983, sacudindo o esqueleto ao lado de algumas das mentes pensantes mais originais dessa época. Um luxo.
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