Há uma sutil diferença entre o título em português de O Tradutor e o original em língua espanhola, Un Traductor. O uso do artigo indefinido “um” faz mais sentido depois que se assiste ao longa-metragem dos irmãos Rodrigo e Sebastián Barriuso, baseado na história de seu pai. Vivido pelo brasileiro Rodrigo Santoro, que foi indicado ao prêmio Fenix de Cinema Ibero-Americano por sua sensível atuação, Malin Barriuso é um professor universitário de Literatura Russa, em Havana, quando o governo cubano o convoca para uma missão inesperada: servir como intérprete no atendimento de vítimas do acidente na Usina Nuclear de Chernobyl, ocorrido em 1986 na Ucrânia, então uma das repúblicas da União Soviética.
Reconhecida mundialmente à época pela excelência da formação de seus médicos e pela qualidade de seus serviços de saúde, Cuba recebeu muitos desses pacientes, alguns em estado bastante crítico de contaminação, tomados por tumores, sofrendo dores atrozes. A Malin coube fazer a mediação linguística entre médicos e enfermeiros e crianças, sempre acompanhadas de pelo menos um de seus pais.
Embora dominasse o idioma russo, Malin era, à época, um intelectual, um homem das letras, completamente despreparado para enfrentar o impacto emocional que seu novo desafio profissional lhe traria. Ele se torna, portanto, um tradutor, que a despeito de toda a sua formação acadêmica e conhecimento linguístico, se viu desafiado em muitos outros planos.
Casado com a artista plástica Isona (a atriz cubana Yoandra Suárez), com quem tem um filho pequeno, Malin é reservado, introvertido até. Sua relação com a criança, embora afetuosa, é algo distante: ele não sabe, por exemplo, como ler histórias infantis como o menino foi acostumado pela mãe, fazendo as vozes dos personagens. Com a mulher, Malin tem algumas diferenças ideológicas. Ela, por ver-se cerceada em sua liberdade de criação, é mais crítica do que ele ao regime.
Coprodução entre Cuba e Canadá, O Tradutor tem como pano de fundo a Glasnost, política implantada, juntamente com a Perestroika (“reestruturação”), na União Soviética, durante o governo de Mikhail Gorbachev.
Dirigido com sobriedade e contenção pelos irmãos Barriuso, o filme tem um certo problema de ritmo. Os diretores, também roteiristas, estão tão empenhados em trazer para a tela os conflitos enfrentados pelos pais, sobretudo por Malin, que a narrativa, uma tanto didática, tem problemas de ritmo. É tocante como, aos poucos, muito por conta da enfermeira portenha Gladys (a argentina Maricel Alvarez), o protagonista vai saindo de sua zona de conforto, para se tornar mais próximo das crianças russas e de seus pais. Esse empenho, contudo, cobra-lhe um preço emocional vultuoso. À medida em que mergulha no cotidiano do hospital, afasta-se da própria família e de suas falsas certeza.
Coprodução entre Cuba e Canadá, onde os realizadores hoje vivem, O Tradutor tem como pano de fundo a Glasnost, política implantada, juntamente com a Perestroika (“reestruturação”), na União Soviética, durante o governo de Mikhail Gorbachev, que faz uma visita à ilha de Fidel no início do filme. A queda do Muro de Berlim, o esfacelamento da União Soviética e as graves consequências econômicas enfrentadas por Cuba, que “trocava açúcar por petróleo” com a Rússia, com o declínio do comunismo na Europa, estão em cena. Esse contexto político-histórico, de certa forma, também serve como metáfora para falar do esfacelamento existencial de Malin. Santoro brilha, falando espanhol e russo, mas principalmente com o uso do olhar e do silêncio que marca o personagem. A atuação do brasileiro é o principal ponto de apoio de O Tradutor.
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