Ebbing, no estado do Missouri, não existe na vida real. É o cenário ficcional de Três Anúncios para um Crime, longa-metragem escrito e dirigido pelo cineasta britânico Martin McDonagh (de Na Mira do Chefe), indicado a sete Oscar, incluindo o de melhor filme. O fato de ser uma cidade inventada faz sentido: um município pequeno, de maioria branca, encravado no coração do território norte-americano, é uma espécie de microcosmo dos Estados Unidos.
No limite entre entre o drama e a comédia, Três Anúncios para um Crime tem como ponto de partida uma tragédia: na estrada que liga sua casa ao centro de Ebbing, a adolescente Angela (Kathryn Newton) é estuprada, assassinada e tem seu corpo queimado. Inconformada com o fato de a polícia local não ter sido capaz de solucionar o crime após sete meses, a mãe da vítima, Mildred (Frances McDormand, de Fargo) decide pagar para que sejam afixados três outdoors no local onde a filha foi morta, denunciando a inoperância das autoridades locais, sobretudo do xerife Willoughby (Woody Harrelson, de O Povo Contra Larry Flynt).
Ao sair da passividade, Mildred desencadeia um processo que, literalmente, incendeia Ebbing, porque traz à tona segredos e mentiras sobre a cidade, revelando sua face mais horrível. Aqui faz-se imprescindível lembrar que McDonagh, não sendo norte-americano, tem uma visão exótica da realidade que ele leva à tela: trata-se de uma “América” (as aspas aqui não são acidentais) algo arquetípica. Talvez por isso tenha optado por criar uma cidade que não está no mapa da realidade, mais próxima do mito.
O policial Dixon (Sam Rockwell, de Lunar) é o personagem que melhor representa a proposta de McDonagh: racista, violento às últimas consequências, é um sujeito odioso em sua completa ignorância e quase infantilidade – apesar de ter mais de 30 anos, vive com a mãe alcoólatra que o trata como um garoto.
Com fortes chances de dar a Rockwell o Oscar de melhor ator coadjuvante (Willem Dafoe, por Projeto Flórida, corre por fora), Dixon é a encarnação de uma faceta da sociedade americana que, para alguns, beira a caricatura, mas é bastante evidente para o olhar de um estrangeiro como o diretor/roteirista, que dele faz um símbolo da cegueira, do preconceito de toda uma parte substancial da sociedade.
Em contrapartida, Mildred, em uma atuação espetacular que deve dar o segundo Oscar a McDormand (o primeiro foi por Fargo), é uma força da natureza. A personagem, uma mulher da classe trabalhadora, não mede esforços em sua busca pela Justiça, mesmo que isso signifique atravessar os limites da legalidade. Ela enfrenta o Estado, a lei e, sobretudo, o patriarcado, representado por uma barreira de homens que impede que sua voz seja ouvida. É dela a força motriz do filme.
Em contrapartida, Mildred, em uma atuação espetacular que deve dar o segundo Oscar a McDormand (o primeiro foi por Fargo), é uma força da natureza.
Por estar no tênue limite entre o drama e a comédia de humor negro, Três Anúncios para um Crime faz lembrar o cinema dos irmãos Joel e Ethan Coen (esposo de Frances McDormand, por sinal). Esse traço traz frescor ao filme, que escapa à tentação de dar uma solução maniqueísta, fechada demais, ao enredo, o que incomodou alguns, sobretudo no que diz respeito ao personagem Dixon, que para esses detratores teria sido redimido pelo roteiro. Exagero! O filme tem, sim, matizes. Exemplo disse é o complexo personagem do xerife Willoughby, defendido com bravura por Harrelson, também indicado ao Oscar de coadjuvante.
Vale, no entanto, refletir sobre o ponto de vista de McDonagh, para quem Ebbing, queira ou não, é um país distante, por mais que nele ele tenha tentado mergulhar, imergir. Seu olhar é ácido, crítico e, por fim, externo. Isso não chega a ser um defeito incontornável, mas não é, de forma alguma, um mero detalhe.
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