Há pouco mais de uma semana, o economista Angus Deaton foi laureado com o Nobel de Economia: seu entendimento, de que é necessário entender as escolhas de consumo individual para formular uma política econômica que promova o bem-estar e reduza a pobreza, foi o principal motivo para a academia premiá-lo.
O raciocínio de Deaton não parece tão complicado: quando compramos algo, há uma cadeia de produção envolvida. Mas, pare para pensar: procuramos saber de onde vêm as coisas? E as nossas roupas?
Quase como uma ironia, dois dias antes do ganhador do Nobel ser conhecido, Curitiba recebeu uma das redes das chamadas fast fashion mais conhecidas do mundo: a Forever 21. E foi um frenesi por aqui. Mesmo com frio e chuva, muita gente se aglomerou para comprar as roupas da loja, conhecida por aliar preços acessíveis às últimas “tendências” das passarelas.
E esse segredo de oferecer roupas “da moda” por pouco dinheiro faz crescer uma indústria trilionária, que lucra com escravidão, morte, desequilíbrio ambiental e machismo. Nesse caso, a equação é: pessoas perdem, ao passo que as empresas ganham. E muito.
A realidade perversa por trás da fabricação de nossas roupas está no imperdível documentário The True Cost, disponível na Netflix, dirigido por Andrew Morgan.
E é esse ‘preço de banana’, como mostra o filme, que desencadeia uma roda viva para as confecções terceirizadas em países subdesenvolvidos, majoritariamente asiáticos.
Até 2013, o cineasta jamais havia parado para refletir sobre o assunto. Suas compras eram baseadas em comodidade e preço. Porém, naquele mesmo ano, ele se deparou com uma foto no jornal de dois meninos olhando um anúncio de pessoas que continuavam desaparecidas em uma das maiores tragédias da indústria têxtil. Mais de 1 mil pessoas morreram em uma fábrica em Dahka, Bangladesh, que desabou – os funcionários haviam avisado os donos das rachaduras no prédio, mas foram obrigados a continuar no local trabalhando.
O caso ganhou o mundo, e foi uma espécie de chacoalhão para o setor da moda e para as pessoas, que começaram a ter um pouco mais de conhecimento sobre a cadeia de produção. Apesar da comoção global, no ano seguinte, as redes de fast fashion mundiais lucraram ainda mais.
Pare para pensar: não faz muito tempo, talvez uns 20 anos, que comprar roupa era extremamente diferente do que é hoje. Primeiro: era mais caro. Difícil achar uma calça jeans por R$ 49,90 como é vendida hoje na Forever 21. Segundo: os hábitos eram outros. Comprávamos roupas no verão e inverno. Para as crianças, o par de tênis adquirido em fevereiro precisava durar o ano letivo inteiro. Hoje, há nada menos do que 52 estações do ano em lojas como Zara, H&M, Topshop, e outras. Isso mesmo. 52 micro estações, com muita propaganda eficaz, que atiçam o nosso consumismo e nos diz que comprar é a solução para os nossos problemas.
O fato de ser barato costuma servir como a nossa principal justificativa para consumir as roupas dessas redes. E é esse “preço de banana”, como mostra o filme, que desencadeia uma roda viva para as confecções terceirizadas em países subdesenvolvidos, majoritariamente asiáticos. Para vender para as grandes redes, as fábricas, batizadas de sweatshops (fábricas de suor), precisam oferecer um preço mais competitivo, usando mão de obra barata e zero condições trabalhistas.
E as redes mundiais justificam a existência e o uso dessas fábricas, dizendo que, “apesar dos pesares” o salário miserável, que às vezes não alcança os U$S 2 dólares, acaba “melhorando” a condição de vida desses trabalhadores que, antes, não tinham um emprego. Não por um acaso, 85% dessa mão de obra é formada por mulheres, com zero representatividade sindical. As que tentam lutar por condições melhores são achacadas pelas próprias colegas.
O interessante em The True Cost é que ele vai além dessa exploração que acabou ficando mais conhecida por nós depois do desabamento em Bangladesh. Ele aponta, por exemplo, o impacto ambiental assustador na produção: nosso apetite por roupas gerou uma demanda maior na produção de algodão. E os fazendeiros precisaram abandonar as plantações orgânicas, usar sementes geneticamente modificadas e muitos pesticidas, o que ocasiona uma degradação da terra e também do homem – locais de plantação de algodão têm casos crescentes de câncer nos agricultores, e problemas físicos e mentais em crianças.
Solução?
The True Cost aponta as problemáticas e dramas, mas também nos apresenta formas de tornar esse comércio mais justo, com casos de algumas marcas e estilistas que se preocupam com todas as etapas de confecção. E aponta para nós um dedo desconfortável, mas necessário: também somos responsáveis pela cadeia de desigualdade quando compramos.
No site do filme há uma série de ferramentas para investigarmos a origem de nossas roupas, e comprarmos melhor.
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