O ser humano é atraído pelo bizarro. Nas diversas acepções das palavras, o estranho, o grotesco e o surreal são coisas difíceis de se tirar os olhos. No cinema, quando um realizador se aproveita com inteligência desta característica peculiar, os resultados são, normalmente, incríveis. E Um Drink no Inferno, de Robert Rodriguez, é a prova viva disso.
Roteirizado por Quentin Tarantino, o filme conta a história dos irmãos Gecko, Seth (George Clooney, solto e visivelmente cômodo, mesmo fora da zona de conforto) e Richie (o próprio Tarantino), assaltantes de banco, que, ao se verem procurados pela polícia e pelo FBI, sequestram o trailer de Jacob Fuller (Harvey Keitel), que passa férias com seus filhos Kate (Juliette Lewis) e Scott (Ernest Liu). Os criminosos obrigam Jacob a cruzar a fronteira entre Estados Unidos e México para que possam ir até El Rey, local seguro para fugitivos. Entretanto, devem esperar pela pessoa que os levará até lá no Titty Twister, um strip club de beira de estrada para motoqueiros e caminhoneiros.
Mesmo com um pano de fundo bastante comum em filmes de ação, Tarantino foge do óbvio e desenvolve personagens bastante complexos, inclusive o seu próprio. Seth é autoritário e impulsivo, e, não consegue, de jeito nenhum, aceitar suas glórias. Por isso, quer se provar a todo instante. Jacob é um ex-pastor que, ao perder a esposa, renunciou a Deus e à vida religiosa. E Richie, além de praticamente esquizofrênico, tem complexo de inferioridade em relação ao irmão. A característica que os une é a dificuldade em aceitar e encarar seus dilemas pessoais.
Sendo assim, não existe lugar melhor para a negação dos próprios problemas do que um bordel mexicano, onde álcool e mulheres são a fórmula perfeita para o escapismo tão desejado pelo trio. Só que não muito.
Um Drink no Inferno é uma celebração do grotesco. O longa-metragem de Robert Rodriguez é uma das mais originais homenagens ao cinema. É um filme que, de tão peculiar, se tornou cult.
Como tudo o que envolve Quentin Tarantino, o longa é uma extravagante homenagem ao cinema e à toda sua história. Logo no primeiro contato com os irmãos criminosos, já se percebe um quê de Jake e Elwood, de Os Irmãos Cara de Pau. Além disso, a cena de abertura inteira – o incêndio à loja de conveniências e assassinato de todos que estão dentro dela -, é um festival de referências.
Com Tarantino se unindo a Robert Rodriguez, cineasta que, apesar de menos celebrado, possui influências não tão distantes do primeiro, é possível criar uma atmosfera western, com assassinatos brutais, como em filmes de máfia. Tudo isso ritmado ao maior estilo longa de ação, com cortes rápidos e o tradicional plano próximo do atirador apontando a arma em estado de adrenalina.
E não para por aí. Se antes o Titty Twister parecia uma boa opção para espairecer, a noite no bar rapidamente vira uma aterrorizante experiência de enfrentamento pessoal e luta por sobrevivência. Pois é, a vida dos irmãos Gecko e da família Fuller passa a realmente correr perigo quando os frequentadores e funcionários do bar se transformam em criaturas demônio-vampirescas de aparência rudimentar, e começam uma grotesca carnificina que, nas mãos de Rodriguez e Tarantino, não poupa os olhos do espectador.
Com cortes rápidos, justaposição de planos abertos e próximos – a ágil montagem é feita pelo próprio Rodriguez – e acontecimentos se atropelando, o espectador, de repente, está de frente a uma festa de cabeças horripilantes voando, membros disformes decepados, piscinas de sangue e cadáveres esquartejados espalhados por um ambiente que, na perspicaz fotografia de Guillermo Navarro, que mescla neons coloridos, sombras e lâmpadas praticamente em meia fase, representa bem a natureza de seus frequentadores. No final das contas, o filme tem um visual de terror de baixo orçamento em ritmo praticamente de ação asiática.
Um Drink no Inferno é uma celebração do grotesco. O longa-metragem de Robert Rodriguez é uma das mais originais homenagens ao cinema. Um filme que, de tão peculiar, se tornou cult. Mesmo sem muito sucesso de público à época de seu lançamento, em 1996, o potencial mercadológico da obra é tão inegável, que, em 2014, o filme virou uma série desenvolvida pelo próprio Robert Rodriguez.
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