Os olhos muito azuis de Gabrielle são dois oceanos nada pacíficos em Um Instante de Amor, belo longa-metragem francês em cartaz nos cinemas brasileiros. Em alguns momentos, eles revelam profunda melancolia. Noutros, incendeiam-se em fúria. A personagem, vivida com arrebatamento por Marion Cotillard, não deseja apenas passar pela vida: sonha com uma grande paixão. Chega a sussurrar a Deus, em suas preces, que prefere a morte a não viver um amor como aquele que lê nos romances.
A sensível direção de Nicole Garcia, cineasta que, como atriz, atuou em filmes de Alain Resnais (Meu Tio da América) e Claude Lelouch (Retratos da Vida), consegue revelar com delicadeza toda essa intensidade da protagonista. Gabrielle guarda um vulcão no peito e talvez sofra de um transtorno psiquiátrico, mas o filme opta por não patologizar seu comportamento. Embora seus pais, fazendeiros em uma pequena terra localizada na região da Provença, durante os anos 50, a vejam como doente – e um estorvo.
Um Instante de Amor vai bem além dos limites do melodrama romântico que promete ou aparenta ser. Não se deixe enganar. É um complexo estudo de personagem.
Para encaminhar, e de certa forma se livrar de Gabrielle, a mãe a oferece em casamento a José (o ótimo Alex Brandemühl, de O Médico Alemão), imigrante catalão que trabalha em sua propriedade. Ele está visivelmente interessado pela jovem e, talvez, sua quase rudeza e simplicidade a faça colocar os pés no chão. “Endireitá-la”, enfim. Não consegue.
O casamento, indesejado por Gabrielle, é aceito, mas ela impõe uma condição: não haverá sexo, já que não há paixão. Quer o destino, no entanto, que uma aguda crise renal a leve a uma clínica nos Alpes Suiços, onde ela conhece um paciente, André (Louis Garrel, de Canções de Amor), jovem oficial do Exército francês, muito debilitado. Ele, talvez, seja o homem de seus sonhos.
Indicado ao César (o Oscar francês) em oito categorias, incluindo melhor filme, direção e atriz, Um Instante de Amor vai bem além dos limites do melodrama romântico que promete ou aparenta ser. Não se deixe enganar. É um complexo estudo de personagem. Graças à interpretação complexa e nuançada de Marion Cotillard (vencedora do Oscar por Piaf – Hino ao Amor), Gabrielle não é uma heroína típica. Ela incomoda, irrita, e também desperta compaixão. Seu olhar guarda toda a intensidade de uma história surpreendente, prato cheio para quem se interessa por psicologia.
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